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Sobre-exploração, precariedade e plataformas digitais

Diana FerreiraDiana Ferreira*

À boleia de um repetido conceito de “modernidade”, o capitalismo quer vender-nos a ideia de legalizar novas formas de flexibilidade laboral, de precariedade, de profunda exploração. A realidade de trabalho dos trabalhadores das plataformas digitais nada tem de “moderno”, pelo contrário, é marcada sim por velhas e caducas formas de exploração, intensificadas e embrulhadas em instrumentos tecnológicos.

As plataformas digitais, em vez de terem um quadro de trabalhadores que assegurem a prestação do serviço que vendem, recorrem (quase exclusivamente) à utilização de falsos prestadores de serviços, falsos trabalhadores independentes, falsos empresários por conta própria. Falamos de milhares de trabalhadores com longas jornadas diárias de trabalho (12, 14, 16 horas) para conseguirem uma remuneração para sobreviver. Falamos de uma realidade de flagrante precariedade, onde não existe o direito a estar doente, não existe a devida protecção social, não existe um horário de trabalho definido ou um salário base garantido.

Falamos de autênticas praças de jorna. E importa aqui lembrar as praças de jorna do passado, onde os trabalhadores se concentravam à espera de ser escolhidos para trabalhar umas horas, onde não havia contrato de trabalho, onde o patrão não tinha qualquer obrigação para com os trabalhadores e onde tinha o direito a aplicar multas e castigos aos trabalhadores. É esta a realidade diária de milhares de trabalhadores das plataformas digitais.

A par da sobre-exploração destes trabalhadores, estas plataformas digitais estão igualmente a recuperar um conjunto de comportamentos ilegais através dos seus algoritmos de gestão, utilizando-os, por exemplo, para aplicar “castigos” aos trabalhadores ou multas. Estamos perante comportamentos abusivos, ilegais, que devem ser devidamente punidos pelas autoridades competentes.

Estas empresas não podem agir à margem da lei – têm que respeitar os direitos dos trabalhadores e dos restantes agentes económicos, desde logo cumprindo a legislação laboral e económica existente, bem como assumir as suas obrigações, enquanto entidades patronais que são, perante os seus trabalhadores.

A lei portuguesa proíbe a maioria dos abusos cometidos sobre os seus trabalhadores pelas plataformas digitais, reconhece a maioria dos trabalhadores das plataformas como trabalhadores por conta de outrem, impondo a existência de contrato de trabalho, de remunerações mínimas, de horário de trabalho, de férias pagas e outros direitos. A lei portuguesa não permite que, a coberto dos algoritmos, as plataformas apliquem multas, determinem castigos, despeçam, criem bases de dados e perfis dos trabalhadores.

Esta é uma realidade que não pode ser ignorada e a resposta não está em regulamentações ou em leis que legalizem a precariedade e a tremenda exploração vivida diariamente pelos trabalhadores das plataformas digitais.

Fica claro que os trabalhadores das plataformas digitais devem ser considerados trabalhadores por conta de outrem, terem a sua relação regulada por um contrato de trabalho; direito a um salário certo ao fim do mês, horário de trabalho de 40 horas, protecção na doença, na parentalidade, férias pagas; direito a receberem horas extraordinárias, subsídios por trabalho nocturno e outros. Estes trabalhadores têm direito a condições de trabalho dignas, a instalações para refeição, a acesso a casas de banho e áreas de descanso. E têm direito a conhecer as condições de trabalho e os algoritmos utilizados pelas plataformas, bem como que os mesmos sejam expurgados dos mecanismos ilegais de aplicação de sanções, castigos e multas.

A tremenda precariedade e exploração destes trabalhadores não são inevitabilidades. Inevitável sim é o combate a esta situação e a luta que garanta que estes trabalhadores o cumprimento de todos os seus direitos laborais.

*Deputada do Partido Comunista Português (PCP)

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