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“É sempre difícil dizer não a uma China, mas o passo tem de ser esse”

Em outubro os moçambicanos vão escolher um novo Governo. Filipe Nyusi irá deixar o poder e outro irá ocupar o seu lugar. O futuro do país está em jogo, tanto político como económico. Sobre este último, Henrique Januário, economista em Moçambique, diz que o país tem de ter “coragem” para dizer “não à China”. Por outro lado, é vital que resolva o “problema económico” de Cabo Delgado

Gonçalo Francisco

As eleições gerais em Moçambique estão marcadas para o próximo dia 9 de outubro. Uma coisa é certa: Filipe Nyusi, atualmente no segundo mandato, está constitucionalmente impedido de voltar a concorrer para a chefia de Estado, depois de ter sido eleito em 2015 e reeleito em 2019. Entretanto, a Frelimo já informou de que vai anunciar o seu novo candidato a 3 de maio.

Entre as várias mudanças no país a partir de outubro, há também a preocupação com o futuro da sua economia. Henrique Januário, economista, considera que devem ser traçadas novas metas, contudo, tem poucas esperanças de que o país mude: “Não vejo projetos dos partidos, não vejo ideias, vejo tudo muito estagnado. Não vejo uma ideia de turismo, não vejo uma ideia de investimento sem ser direto, não vejo uma política económica abrangente. Pode ser que mude, oxalá mude.”

Para mudar, diz ser necessário adotar uma estratégia económica independente, “mas para isso acontecer, temos de pagar o que devemos a outros países, que têm dominado o nosso país no que a investimentos dizem respeito. Não podemos estar reféns de ninguém, como outros países africanos”. O economista fala “essencialmente” da China, que é o principal credor de Moçambique. “É claro que como país com poucos recursos económicos, temos de procurar ajuda financeira no exterior, mas não podemos ficar refém desses países. Neste momento, por exemplo, arrisco dizer que as relações entre Moçambique e a China não são as melhores, porque a dívida é grande e complicada de liquidar num futuro próximo. Depois, a China pode ver Moçambique a aproximar-se de outra potência e as relações ficam ainda piores. Daí dizer, não podemos ficar reféns de ninguém.”

Equilíbrio de forças

O analista explica que é preciso mostrar às outras potências as oportunidades no país. “Nyusi irá sair, a Frelimo terá de escolher um novo líder e a oposição tem também de fazer o seu papel. Será sempre difícil contentar as principais potências, mas acredito que o que temos de fazer é mostrar às potências interessadas que há oportunidades para todas. O país não pode ficar a perder só porque uma potência quer ter mais preponderância do que outra em Moçambique”, diz. Contudo, sublinha a importância de ter a China como aliada, restando saber “se ainda quer”. Januário explica que é preciso perceber se o novo governo quer reaproximar-se da China, “para amenizar as relações, ou se quer seguir outro caminho. É sempre difícil dizer não a uma China, mas o passo tem de ser esse. Ou melhor, tem de ser aquele em que não dependemos apenas de uma só potência. Falta saber se o próximo Governo terá coragem para isso”, comenta.
Sobre a influência de Portugal no país lusófono, diz que é cada vez menor. “Evidentemente que teremos sempre uma relação umbilical, mas a verdade é que o papel é cada vez menor. Há investimentos, há relações, mas a verdade é que o poder económico de Portugal não é suficiente para fazer face às pretensões económicas do nosso país. O papel mais importante de Portugal, direi, será a ligação que poderá fazer entre Moçambique e alguns países europeus; aí sim, poderá ter um papel muito importante.”

Cabo Delgado: Problema e solução

A província de Cabo Delgado, onde estão as principais reservas de gás natural em Moçambique, poderia ser uma solução para a economia do país, considera. Contudo, desde desde outubro de 2017 que virou “um problema económico”, quando começou a ser alvo de ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico. “Se há algo em Moçambique que é determinante para o seu futuro é o gás natural que produzimos. Temos empresas que querem investir, temos milhões para entrarem há anos e este problema não se resolve. Digo mais, vejo, por exemplo, Moçambique a unir-se a um país, a uma potência, que consiga resolver este problema. Não digo que seja o correto, não podemos ficar reféns, como já disse várias vezes, mas vejo isso no horizonte. A França tentou, todos sabemos, mas ainda não resultou. Se a China conseguir resolver este conflito, dominará Moçambique. Resta saber se o fará.”

A insurgência levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda, com mais de 2.000 militares, e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, libertando distritos junto aos projetos de gás natural. Depois de vários meses de relativa normalidade nos distritos afetados, a província de Cabo voltou a registar novas movimentações e ataques de grupos rebeldes, que têm limitado a circulação para alguns pontos nas poucas estradas asfaltadas que dão acesso a vários dos distritos.

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