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Anthony Chen: “A semente é plantada aqui”

Anthony Chen foi um dos mentores do International Film Camp. Durante cinco dias esteve perto de quatro jovens realizadores, incluindo dois de Macau, a “reorganizar ideias” para que pudessem figurar entre os oito vencedores. Sobre a indústria cinematográfica local, diz que também ele “vem de um sítio pequeno” e que essa condicionante - como é percecionada - acaba por ser uma vantagem. “Muitos pensam que têm de sair [de cidades pequenas] para singrar, mas acabam por ir para um ambiente ainda mais competitivo”. A entrevista foi conduzida no último dia do programa, antes de serem anunciados os candidatos

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– Como está a ser a interação com os candidatos?

Anthony Chen: É um grupo muito, muito diverso. Temos candidatos de Hong Kong, Macau, China continental, mas também do Japão, Camboja, Malásia, Singapura e até da Mongólia. As origens são muito diferentes e o nível também. A realizadora da Mongólia já tinha feito uma longa-metragem, que esteve no Festival Internacional de Cinema de Veneza do ano passado e ganhou um prémio, o que demonstra o nível em que está. Depois temos aqueles que nunca fizeram uma longa-metragem; fizeram algumas curtas, mas nunca as exibiram a nível internacional, ou em festivais de grande dimensão. Acho que todos têm personalidades muito interessantes. Têm histórias que querem contar sobre si próprios, sobre as cidades onde vivem, sobre a crise nas suas vidas. Isso dá-me muita energia, mas o International Film Campo é intenso para eles. Dá para ver, é literalmente muito suor. Ainda não vi sangue, mas já vi lágrimas.

– É a primeira vez que participa como mentor?

A.C. – Não é a primeira vez. Já o fiz várias vezes nos últimos 10 anos. É, contudo, a primeira vez que estou a orientar um laboratório de curtas-metragens. Isso é extremamente importante, porque há muitos jovens cineastas da nossa região que, mesmo que tenham feito algumas curtas, podem não compreender bem o meio. É a primeira vez que têm sessões individuais com mentores. Há 16 participantes, quatro mentores, e cada um de nós ajuda quatro candidatos. Nos últimos dias disse-lhes que os guiões não eram suficientemente bons. Tenho estado a trabalhar com eles nas ideias para chegar ao cerne da questão do filme, ou seja, encontrarmos o que realmente querem transmitir.

– E isso é possível em cinco dias?

A.C. – Não é possível, e é por isso que o trabalho começa aqui, mas não acaba. Quando sairmos de Macau, temos de os deixar assentar. É claro que ajustaram as histórias e estão prontos para a apresentação final, que está a decorrer neste preciso momento. Mas ainda há muito trabalho pela frente. Disse-lhes que se forem selecionados e tiverem de fazer o guião, têm um par de meses para entregar o filme, por isso têm de continuar a trabalhar.

– O tema para os guiões é “a minha terra natal”. Qual a intenção?

A.C. – Penso que é uma forma refletirem sobre si e de onde são. Acho que alguns dos melhores filmes da carreira de um cineasta são os mais pessoais. Alguns deixaram a sua terra natal, o seu país. Porquê? E aqueles que ficaram? Porquê? É um debate sobre a própria identidade. Se olharem para trás, ou tentarem chegar à essência da sua relação com o local de onde são, há muitas histórias para contar. Há dois participantes de Macau, e ambos estão no meu grupo. De certa forma, é muito interessante compreender a sua luta com a identidade, o facto de lidarem com um mercado tão pequeno, como olham para si próprios e como se situam no mundo. É fascinante.

– É difícil de caracterizar o cinema asiático, olhando para aquilo que é a complexidade cultural do continente. Como se convergem todas essas diferenças no International Film Camp?

A.C. – Muitas vezes parto da emoção como condição humana central e unificadora. Não se trata apenas de fazer um filme sobre a nossa terra natal, mas sim perceber como é que o podemos tornar universal. É preciso encontrar o ângulo, a emoção e experiência com que todos nos podemos identificar, independemente da nossa origem. A pergunta que lhes faço é: Porque é que as pessoas se vão interessar? Porque é que eu me vou interessar? Sou de Singapura, cresci lá, mas já vivi noutros sítios. Vivi em Londres muito tempo e agora em Hong Kong. Porque é que me havia de importar? Se olharmos para qualquer parte do mundo, é realmente essa condição humana universal que nos faz realcionar com um filme. No final, estamos a refletir sobre a nossa identidade comum. As sementes são plantadas aqui e estou curioso para ver, no fim do ano, qual é a árvore que vai nascer.

– Como pode um mercado pequeno como Macau desenvolver a sua indústria cinematográfica?

A.C. – Os realizadores de Macau estão sempre a dizer-me isto. Acho que é bom ser de um sítio pequeno. Eu sou de um sítio pequeno. Em 2007, quando fiz a minha primeira curta, ganhei um prémio em Cannes. Foi a primeira vez que Singapura ganhou um prémio lá. Quando fiz a minha primeira longa-metragem, ganhou o prémio da Caméra d’Or de Cannes. Foi a primeira vez. Lembro-me das pessoas mandarem-me mensagens. Foi quase como se Singapura tivesse ganho o Campeonato do Mundo. Não havia muitos filmes de Singapura, não havia ninguém antes de nós. Se trabalharmos arduamente, se criarmos realmente algo que seja bom, ou mesmo brilhante, estamos a mostrar ao mundo um pouco de nós.

– Até pode ser mais apelativo para o público, por ser uma aparição rara.

A.C. – Se olharmos para a quantidade de filmes japoneses que são feitos para fora do Japão todos os anos, é difícil para um jovem cineasta japonês conseguir entrar no mercado. Mas se for feito um filme realmente sólido sobre a experiência de Macau, acho que o mundo vai ficar muito surpreendido quando o descobrir. Muitos cineastas pensam que têm de sair [de cidades pequenas] para singrar, mas acabam por ir para um ambiente ainda mais competitivo. A sensação com que fico é que há cada vez mais recursos a serem alocados pelo Governo de Macau para tentar desenvolver o espaço cultural. Penso que esta cidade cresceu até um ponto em que tem a sua riqueza, tem as suas infraestruturas; o próximo passo é a desenvolver a sua cultura. É assim que as pessoas se vão identificar com Macau e penso que esta é a altura certa. Os cineastas locais só precisam de ser eles próprios e fazer um bom filme.

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