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“Macau terá de ser politicamente mais imaginativa”

Os planos de aprofundamento da integração económica no sul da China – com o projeto de Da Wan, ou área da Grande Baía – também colocam desafios políticos. Sonny Lo, analista político convidado a uma palestra organizada pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau na última quinta-feira, entende que a região enfrenta o cenário de perda de competitividade se não procurar também mais mecanismos de representação e melhor capacidade de governação.   

– Este ano assinala-se o 20º aniversário da transferência de Hong Kong e fala-se na possibilidade de o Presidente Xi Jinping participar nas cerimónias. Vê esta ocasião como um ponto de viragem nas relações de Pequim com a região?

Sonny Lo – O 20º aniversário em Hong Kong será muito importante. O Presidente Xi Jinping, com uma possível visita a Hong Kong, marcará a importância da aplicação do princípio Um País, Dois Sistemas. Definitivamente, será um evento importante. A relação entre Pequim e Hong Kong está a entrar numa nova fase de integração económica. De acordo com o relatório anual apresentado há dias pelo primeiro-ministro Li Keqiang, Hong Kong e Macau devem integrar a chamada área da Grande Baía, forçando-se a integração económica com a China Continental. A partir deste ano e até 2047, no caso de Hong Kong, ou até 2049 no caso de Macau, vai assistir-se a uma maior integração económica. 

– Em referência ao projeto da Grande Baía, Da Wan, não há por enquanto grandes detalhes da estratégia. Sabemos que tem que ver com uma maior integração económica e com haver focos mais especializados de atividade económica. Como lhe parece que poderá evoluir? Para algo como uma união aduaneira?

S.L. – Os detalhes parecem estar em falta. Se nos remetermos aos planos de 2009 para a integração de Hong Kong e Macau na região do estuário do Rio das Pérolas, e ao 12º plano quinquenal implementado pelo Governo chinês em 2011, e também ao 13º plano quinquenal implementado em 2016, vemos que os contornos gerais desta Grande Baía já estão desenhados. Isto significa que nas regiões do sul da China, muitas cidades do Delta do Rio das Pérolas – incluindo Shenzhen, Hong Kong, Macau, Zhuhai, Dongguan, todos estes lugares – tendem a ter uma espécie de divisão de trabalho. Em segundo lugar, vão coordenar-se mais estreitamente nas operações económicas e no desenvolvimento dos transportes. As áreas políticas de cooperação, vemos que não são apenas os transportes, mas também o ambiente, o comércio, a cultura, intercâmbio de estudantes, interação entre pessoas, educação, trocas científicas e tecnológicas, entre outras. 

– Mas, especificamente, podemos prever o desaparecimento destas fronteiras para efeitos comerciais e de negócios transfronteiriços? A ideia de uma união aduaneira é um cenário provável num curto prazo?

S.L. –  O Governo chinês não adopta a expressão de uma união aduaneira, mas antes a de área da Grande Baía para indicar, primeiro, que as relações entre Macau, Hong Kong, Zhuhai e Shenzhen estão a tornar-se porosas. Em segundo lugar, um mecanismo de maior coordenação a nível governamental, e inclusivamente subgovernamental, será promovido. Em terceiro lugar, a cooperação regional entre as cidades do sul da China vai conformar-se à política da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota. Talvez uma união económica seja um melhor termo para referir esta área da Grande Baía. Esta união económica chinesa vai antes forçar uma cooperação mais próxima, apesar das diferenças nos sistemas fiscais e nos sistemas jurídicos nestes lugares. 

– Taiwan, que será o objetivo último deste projeto de integração, foi favorecida nos últimos anos com muitos acordos económicos, mas houve uma mudança na política desde a votação no Partido Democrático Progressista de Taiwan, com um recuo significativo nas relações com Pequim. Hong Kong e Macau poderiam ter o mesmo destino em função das suas escolhas políticas?

S.L. – Hong Kong e Macau não serão ‘taiwanizados’ do ponto de vista político. O sistema político de Taiwan é especial, com um sistema democrático de tipo ocidental. A eleição direta da Presidente Tsai Ing-wen agravou a relação entre o Continente e Taiwan no último ano, mas, reconhecendo isto, julgo que a estratégia do Governo chinês de usar este projeto de Grande Baía tem em vista mobilizar os meios económicos para atrair Taiwan para a sua órbita económica nas próximas décadas, ainda que demore 20 a 30 anos. O Governo chinês está indiferente a qual o partido político no poder, seja o Partido Democrático Progressista ou o Kuomintang, que mais cedo ou mais tarde poderá voltar ao poder. A ideia da Grande Baía é usar a união económica do sul da China para atrair Taiwan de forma pragmática e de uma perspetiva política realista. Se Taiwan não vir as vantagens de aderir a esta união económica perderá vantagens competitivas na região da Grande China. 

– Fala da necessidade de haver mais realismo político. Para Macau, isso significa procurar eleições para os órgãos municipais e abdicar de uma eleição direta do Chefe do Executivo?

S.L. – É mais fácil falar de realismo político do que aplicá-lo. A situação de Hong Kong está hoje bastante mais politizada do que em qualquer período anterior, ao contrário de Macau onde as pessoas tendem a ser politicamente mais pragmáticas e realistas. Antecipamos que Hong Kong continue a ter escaramuças e lutas políticas nas próximas décadas. O caso de Macau será bastante menos sério, mas precisará de pragmatismo político no sentido de reforçar o estudo do Sul da China, os talentos locais, aumentar a competitividade, e fortalecer a capacidade de governação – lidando com habitação e transportes de forma bastante mais eficaz.

– Mas o que é que esse realismo implica do ponto de vista do sistema político?

S.L. – Macau terá de ser politicamente mais imaginativa. Tem ficado atrás de Hong Kong em termos de reforma política. Com a população a aumentar, o Governo devia seriamente considerar acelerar a reforma política no sentido de estabelecer conselhos de bairro [órgãos municipais], tal como em Hong Kong, para que mais cidadãos possam participar na eleição dos seus representantes que farão chegar a sua voz ao Governo de Macau. Macau tem sido demasiado conservadora do ponto de vista político, com o Governo a entender a reforma como uma transição democrática com implicações para a sua capacidade de atuação. As elites de Macau deviam antes ver a reforma política como um reforço da capacidade de governação. Caso contrário, Macau ficará rapidamente para trás no rápido processo de integração económica. 

– Em Hong Kong, podemos dizer que o impasse de reforma política foi um dos factores a contribuir para a ascensão do localismo. Como é que Pequim pode integrar esta visão localista, que é diferente mas faz parte de Hong Kong, no projeto de transição?

S.L. – O Governo de Pequim tem a motivação política de diluir parte do localismo de Hong Kong, mas há muitas dúvidas sobre se será bem sucedido. O processo de emergência do localismo tem vindo a resistir ao processo de ‘continentalização’ política, económica, social e cultural. Até 2047, Hong Kong terá forças localistas em resistência à integração. As forças do localismo e da integração económica na área da Grande Baía existirão em paralelo e em conflito. Haverá definitivamente tensões – a questão é a de saber que dimensão terão. 

Maria Caetano

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