– João Lourenço esteve na China e foram muitas as palavras de apreço entre ele e Xi Jinping, que foi convidado a visitar Angola. Que balanço faz desta visita?
Manuel Gonçalves – Por tudo o que foi dito, é claro que o balanço é positivo. A China é um parceiro estratégico há mais de 20 anos e a visita de João Lourenço serviu para mostrar que Angola continua a querer o apoio de um país com uma economia forte, como a da China. Mas muitos outros assuntos foram tratados, alguns deles mais relevantes.
– A dívida de Angola, por exemplo?
M.G. – Sim, também. Mas neste momento, na minha opinião, não é isso que preocupa mais a China, há outros assuntos mais urgentes a tratar. Claro que a dívida é considerável, apesar dos números concretos nunca terem sido públicos, mas entre João Lourenço e Xi Jinping terá existido certamente uma conversa que envolveu os Estados Unidos.
Neste momento, há uma disputa entre a China e os EUA para ver quem terá o domínio da gestão dos investimentos e da exploração dos recursos naturais em Angola
– Como assim, os Estados Unidos?
M.G. – Neste momento, há uma disputa entre a China e os EUA para ver quem terá o domínio da gestão dos investimentos e da exploração dos recursos naturais em Angola. Por exemplo, ainda recentemente no Lobito haviam sido adjudicados investimentos a empresas chinesas, mas depois passaram para as mãos de outras norte-americanas. A China pode estar preocupada com o investimento norte-americano em Angola e acredito que esse foi o principal tema discutido entre os dois líderes. Veja o caso da nomeação de um embaixador chinês para Luanda, algo que demorou quase um ano. Esse foi um sinal claro que a China quis dar a Angola, que não estava satisfeita com algo, e esse algo teve certamente a ver com os EUA e não com a dívida.
– Mas acredita que essa aproximação dos EUA poderá prejudicar a relação entre Angola e a China?
M.G. – Não acredito que a relação seja duramente prejudicada, porque é claro que a China tem também muito interesse em Angola, sobretudo porque vêem no país uma porta para outros países, Angola é um país estratégico para a influência da China no continente africano e isso é visível há muitos anos. E também não vejo nenhuma maior aproximação de Angola aos EUA. Há, isso sim, um equilibrio de forças por parte de Angola, ou seja, não querem entrar em colisão seja com os EUA ou com a China. Acredito que tenha sido isso que João Lourenço disse a Xi Jinping.
– Disse há pouco que o real valor da dívida de Angola à China não era conhecido. Há muitos especialistas que dizem que isso se deve ao facto de parte do dinheiro ter ido para particulares e não para o Estado. É também dessa opinião?
M.G. – Claro. Penso que ninguém tem dúvidas disso, que muitos milhões caíram nas mãos de particulares, que tinham interesses no Estado também. Não há transparência nesse sentido, ninguém sabe ao certo quantos milhões foram alocados a interesses particulares. Mas também foi por isso que a China, recentemente, decidiu ser mais dura no pagamento da dívida, deu menos margem de manobra a Angola para o pagamento da dívida, na altura da renegociação da mesma.
João Lourenço tem de fazer ver a Xi Jinping que não pode ficar refém da ajuda financeira da China. Não pode melindrar a relação, obviamente, até devido à enorme dívida que tem com este país asiático, mas é preciso mostrar a Xi Jinping que os negócios entre Angola e. os EUA não vão prejudicar a China
– Como vê o futuro mais próximo no que às relações entre os dois países diz respeito?
M.G. – Como foi público, Xi Jinping aceitou visitar Angola ainda este ano. Foi dito que seria em breve. Esse é um sinal claro que a China quer continuar a apostar em Angola e o convite de João Lourenço diz também o mesmo. Falta agora encontrar o tal equilíbrio entre Angola, China e EUA. João Lourenço tem de fazer ver a Xi Jinping que não pode ficar refém da ajuda financeira da China. Não pode melindrar a relação, obviamente, até devido à enorme dívida que tem com este país asiático, mas é preciso mostrar a Xi Jinping que os negócios entre Angola e os EUA não vão prejudicar a China. Penso que num futuro próximo, ou mesmo no presente, as relações serão de provável consenso, pois, como já disse, Angola não quer perder um parceiro estratégico como a China.
– E os Estados Unidos, ficarão satisfeitos com esse tal consenso entre Angola e China?
M.G. – Os Estados Unidos querem evitar o domínio da China em África, e sabem que para isso não podem entrar a matar, como se diz. Ou seja, não podem exigir ter mais domínio em Angola que a China. E acho que é isso que estão a fazer, sinceramente. Estão a entrar lentamente em África, não só em Angola, para tentarem equilibrar as coisas com a China. Os EUA sabem que não podem dominar mais, querem, isso sim, o tal equilíbrio entres as duas maiores potências mundiais.