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“O principal critério [na exclusão da Huawei] não foi o interesse dos consumidores portugueses”

A decisão de excluir a Huawei da tecnologia 5G em Portugal foi mais além do que o resto da Europa e prejudica os interesses dos consumidores portugueses, diz o secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), Bernardo Mendia. A inclusão de Portugal no lote de países que não necessita de visto para entrar na China, e maior celeridade burocrática por parte do lado português são alguns dos avanços que os empresários dos dois lados pedem mais frequentemente

Nelson Moura

– Em 2024 celebra-se o 45.º aniversário do restabelecimento das relações bilaterais entre Portugal e a China. Como descreveria a “saúde” desta relação?

Bernardo Mendia – O reconhecimento português da soberania de Pequim sobre toda a China data de janeiro de 1975. O lapso de tempo justifica-se por a China, à data, desconfiar da influência soviética no regime saído da revolução de 74. Mas finalmente, no dia 8 de fevereiro de 1979, os dois países decidiram abrir embaixadas, no prazo de 3 meses, nas capitais de cada país. O acordo seria assinado em Paris. Atualmente creio que poderíamos caracterizar a “saúde” desta relação como uma “saúde de ferro”. [O 45.º aniversário] já foi assinalado pela troca de mensagens oficiais entre Marcelo Rebelo de Sousa e Xi Jinping. Assinalam-se também os 25 anos do retorno de Macau, um processo sobejamente reconhecido como um exemplo em termos de diplomacia e do excelente entendimento entre as autoridades dos dois países, que se “conhecem” há mais de 510 anos. São igualmente assinaláveis as duas décadas do Fórum Macau.

“A inclusão de Portugal no lote de países que não necessita de visto para entrar na China seria muito bem
recebida por parte dos empresários”

Em 2023 as trocas comerciais bilaterais atingiram os 9 mil milhões de euros, com maior proveito para a China. Já a nível de investimento direto estrangeiro (IDE), a relação bilateral é muito vantajosa para Portugal, uma vez que contamos com um ‘stock’ de IDE chinês superior a 10 mil milhões de euros, enquanto o nosso investimento na China é de cerca de mil milhões de euros, contabilizando os investimentos das empresas portuguesas em Macau e China. Devemos concluir que o capital de confiança e a relação é, de facto, forte, sem prejuízo de necessitar de ser acarinhada e bem tratada continuamente.

– Alguns analistas consideram que a posição diplomática neutral entre os EUA, Europa e a China é insustentável. Como vê esta situação?

B.M. – Efetivamente, há que ter em conta o contexto e a China sabe e respeita o facto de Portugal ser parte da União Europeia, que define a estratégia para a relação económica e comercial com países extracomunitários. Não há qualquer problema, antes pelo contrário. No entanto, dentro dessa contingência, o país não perdeu totalmente a sua soberania e há decisões que devem ser equacionadas à luz do interesse nacional. Dou o exemplo da decisão que exclui a Huawei da tecnologia 5G. Avançámos com a restrição quando as principais economias da UE não o fizeram, ou fizeram-no apenas de forma simbólica, sem afetar a livre concorrência no espaço único ou a competitividade das suas empresas. Ainda a semana passada, o ministro da Transição Digital de Espanha, José Luis Escrivá, dizia que o Governo espanhol não tinha nenhuma intenção de elaborar uma lista de fornecedores de alto risco, nomeadamente porque não há nenhum marco europeu que assim o exija, colocando assim o interesse nacional espanhol à frente das recomendações relapsas de Bruxelas. Claramente, no caso português, o principal critério não foi o interesse dos consumidores portugueses, o desenvolvimento tecnológico ou a digitalização do país. Não me parece que faça sentido e naturalmente não beneficia a aproximação, que se quer contínua e ponderada entre os dois países. Essa posição deve ser revertida com urgência, no sentido de passarmos de uma “saúde de ferro” para uma “saúde de aço”, com todos os benefícios que uma relação desse tipo com a segunda maior economia do mundo trará ao desenvolvimento económico de Portugal e consequente bem-estar social dos portugueses.

– Parece haver uma viragem protecionista do bloco da União Europeia, tendo em conta, por exemplo, recentes medidas a visar veículos elétricos produzidos na China. Como vê a atual política do bloco europeu para com a China?

B.M. – Sendo desejável que a UE tome medidas no sentido de impulsionar o desenvolvimento industrial no lado dos incentivos à inovação, tecnologia, formação de engenheiros e pesquisa científica, parece-me um erro crasso, básico, atuar no estabelecimento de medidas protecionistas, que não fazem qualquer sentido num mundo globalizado e com cadeias de distribuição completamente interligadas. Em especial, no campo dos veículos elétricos produzidos na China, e também das baterias e energias renováveis, é incontornável.

A China está muito avançada no investimento, no desenvolvimento das tecnologias e no crescimento da indústria. Além disso, é a própria sustentabilidade do planeta Terra o grande beneficiário. Parece-me muito mais sensato e proveitoso capitalizar este avanço e a capacidade a favor da UE, cooperando e atraindo as empresas chinesas para se estabelecerem na região, a fim de criarem sinergias que permitam o desenvolvimento da indústria, com todo o fenómeno de arrasto que este tipo de investimento pode proporcionar na economia europeia. Se o movimento for realizado via Portugal ou, pelo menos, contando na maioria com o nosso país, tanto melhor para a economia nacional. Sem perder de vista que a colaboração científica internacional trouxe sempre progresso tecnológico e desenvolvimento económico.

– Nas suas recentes viagens à China, que problemas lhe foram transmitidos por empresários dos dois lados? Quais podem ser resolvidos?

B.M. – Não sendo um problema por si, creio que a inclusão de Portugal no lote de países que não necessita de visto para entrar na China seria muito bem-recebida por parte dos empresários e representantes que necessitam de viajar frequentemente para o país. Já do lado português, a burocracia e, em especial, a morosidade das instituições são frequentemente apontadas pelos empresários e investidores chineses como aspeto menos positivo.

– Portugal terá eleições legislativas a 10 de março, que políticas referentes à China e aos empresários portugueses gostaria que fossem mantidas e alteradas?

B.M. – Desde logo a reversão de medidas prejudiciais ao desenvolvimento das boas relações e do desenvolvimento económico e tecnológico do país. Já foi referida a questão da Huawei, mas posso mencionar também as Autorizações de Residência para Investimento que, reconhecendo até os benefícios de uma reformulação do programa no sentido de renovar a comunicação e resolver o problema dos atrasos crónicos, foi sempre uma ferramenta ativa, de sucesso, no âmbito da atração de investimento e talento estrangeiro – dois fatores essenciais e em falta para o desenvolvimento do país. É, portanto, uma questão que se enquadra claramente no domínio do interesse nacional.

“[Exclusão da Huawei] não me parece que faça sentido e naturalmente não beneficia a aproximação, que
se quer contínua e ponderada entre os dois países”

Em segundo lugar, creio que seria muito oportuno o próximo Governo português trazer para a agenda europeia a assinatura do acordo que regulamenta os investimentos entre a União Europeia e a China. Relembro que este acordo foi negociado durante sete anos e concluído em 2020, mas continua pendente de ratificação pelo Parlamento Europeu. Ora, Portugal, na esteira da relação privilegiada, de compromissos e de diálogo centenário com as autoridades chinesas, tem tudo a ganhar em promover esse entendimento e abrir ainda mais a segunda maior economia do mundo às empresas europeias. A China e a Europa sabem que o mundo é uma aldeia global e têm a responsabilidade de reforçar a cooperação, em benefício de quem representam, procurando contrariar as tendências atuais, que conduzem o mundo ao conflito, atraso económico e retrocesso civilizacional.

Adicionalmente, é importante reforçar os encontros e visitas oficiais de alto nível, bem como os intercâmbios entre estudantes, universidades e institutos científicos e de desenvolvimento económico.

No campo da diplomacia económica, pese embora o meritório trabalho que os delegados e instituições desenvolvem com recursos escassos, gostaríamos de ver um investimento maior em ações de promoção e marketing do país, à semelhança dos nossos concorrentes europeus, visando dar a conhecer o país e os seus produtos e serviços de elevada qualidade.

– A cada dia são anunciadas mais políticas em Hengqin. Como incentivar empresários lusófonos a tomar partido desta zona económica?

B.M. – Conheço a China há muitos anos para saber que, se pode ser sonhado, pode ser alcançado. Acreditamos que a Zona de Cooperação Aprofundada vai ter impacto e influenciar ainda mais o planeamento das empresas estrangeiras para o mercado. Atualmente, temos exemplos de empresas portuguesas que investiram diretamente na China, como a TMG Automotive e a Elastron, e muitas mais em Macau. Apesar de alguns destes investimentos encontrarem justificação na localização das respetivas indústrias e parceiros, comprovam também que as empresas portuguesas podem abordar diretamente a China com sucesso. Nesse sentido, será necessário apresentar argumentos sólidos e fazer um trabalho de comunicação alargado para que as empresas conheçam e considerem a oportunidade de Macau – Hengqin – GBA – China. Em especial Macau, que atualmente atravessa um período de remodelação do modelo económico com a estratégia de diversificação adequada «1+4», o que poderá representar novas oportunidades e interesse para empresas provenientes de Portugal e demais países irmãos.

Ainda neste âmbito, a CCILC reuniu recentemente com o Chefe do Executivo, que solicitou apoio no sentido de promovermos ativamente nos nossos canais a informação disponibilizada pelas entidades oficiais e imprensa local, assim como manifestou a total disponibilidade das estruturas oficiais para auxiliar em qualquer questão relacionada com o tema. A CCILC continuará a colaborar com as agências de atração de IDE locais na promoção e divulgação de oportunidades de investimento em Macau, Hengqin e China continental, da mesma forma que procurará promover oportunidades de negócio em Portugal para a comunidade empresarial macaense e chinesa.

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