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“Taiwan precisa de sofrer antes de transformar a sua economia”

Syaru Shiley Lin, antiga responsável pelos investimentos asiáticos da Goldman Sachs, é hoje uma académica cujo estudo das ciências políticas parte de um campo atípico – as questões identitárias e o modo como estas enformam a direção económica dos países. 

É a autora de “Taiwan’s China Dilemma”, publicado pela Stanford University Press no ano passado, onde analisa as tensões nas relações do estreito de Taiwan segundo os prismas do interesse económico e da evolução da opinião pública relativamente a Pequim, mas também dos indicadores que mostram uma cada vez maior afirmação da identidade taiwanesa. As lideranças de Tsai Ing-wen, Xi Jinping e Donald Trump, nos Estados Unidos, confluem hoje para um cenário de incerteza maior. Para Syaru Shirley Lin, tornam mais evidente a necessidade de Taipé desenhar políticas sustentáveis que lhe permitam aproveitar as oportunidades que surgirem na cena internacional.

– Considera que tem sido difícil às lideranças de Taiwan conceber políticas económicas alternativas, atendendo ao facto de as oscilações no sentimento público constantemente reformularem as relações com a China Continental. Como é que as políticas económicas necessárias a Taiwan poderão ser reformuladas de uma forma sustentável?

Syaru Shirley Lin – O facto de a identidade taiwanesa se ter consolidado tem ajudado, ironicamente, com os taiwaneses mais focados no impacto económico das respectivas políticas. O que é especialmente interessante é que, desde que Ma Ying-jeou assumiu o poder em 2008, os taiwaneses tornaram-se mais taiwaneses do que nunca e deram mais apoio à integração económica com a China. Se virmos bem, as pessoas mais jovens querem ter mais oportunidades económicas, mas fixando limites. Não estão dispostos a ceder nos seus valores. Um dos valores que serve de exemplo é a democracia, assim como a liberdade de expressão e de imprensa. Votaram no Partido Democrático Progressivo (PDP) sabendo quais as consequências, e isso aconteceu porque veem a democracia como um dos seus valores fundamentais, exercendo assim o seu direito de voto. Também não querem que Tsai Ing-wen seja anti-China, e isso é claramente refletido no que tem acontecido desde que o PDD assumiu o poder. Os taiwaneses querem, em geral, mais oportunidades económicas, o que significa que também querem que Pequim relaxe para poderem integrar novos acordos de livre comércio. Atualmente, não podem aliar-se em qualquer acordo sem uma preocupação tácita por parte de Pequim. Os acordos com a Nova Zelândia foram assinados com a aprovação de Pequim. Mas Pequim recuou e disse que não a tudo desde o ano passado e julgo que os taiwaneses simplesmente não estão dispostos a pôr-se em causa. É interessante porque, se os taiwaneses fizessem apenas o que Pequim quer, também não receberiam vantagens por isso. É um jogo interessante – um jogo concebido por Pequim. Porque os taiwaneses exercem os seus direitos políticos, em grande medida conseguem ter mais capacidade negocial. Há quem entenda que é um jogo perigoso, mas não me parece que os taiwaneses pensem nisto enquanto jogo. Sobretudo os jovens, veem isto como direitos naturais, com os quais nasceram, de escolherem os seus líderes quer Pequim goste ou não. Os meus estudos demonstram que estão muito mais interessados na integração económica com o mundo e com a China, mas esperam que o Governo seja mais inteligente do que no passado e procure diversificação uma vez que a economia chinesa está a abrandar. 

– Apesar do telefonema de Tsai Ing-wen com Donald Trump, a saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífico prejudica as perspetivas de Taiwan de um maior envolvimento no comércio internacional?

S.S.L. – O telefonema entre Tai e Trump é apenas uma das muitas coisas que aconteceram. Depois de Trump ter recebido a chamada, enviou a Marinha dos Estados Unidos para o Instituto Americano de Taipé – a embaixada americana de facto em Taiwan – o que é uma bofetada em Xi Jinping. Primeiro, fala com Xi Jinping, diz que concorda com ele, depois envia a Marinha e, ainda depois, recua na Parceria Transpacífico. Claro que a Parceria Transpacífico não está diretamente relacionada com Taiwan, que não está incluído sequer na primeira ronda de negociações. Seria interessante, mas Taiwan espera apenas integrar o acordo mais tarde. Os seus padrões também não são suficientemente elevados. De certa forma, a Parceria Transpacífico oferece a Taiwan uma oportunidade na medida em que, ao ter requisitos tão exigentes, oferece a Taiwan a possibilidade de, fora do acordo, fazer coisas a custos mais baixos – com padrões laborais e ambientais menos exigentes. Aqueles que não estiverem à altura dos requisitos vão aproximar-se das empresas taiwanesas. Tenho falado com diferentes conselheiros do Taishang [comunidade empresarial de Taiwan que mantém negócios com a República Popular da China], que estão bastante satisfeitos por Taiwan estar fora da Parceria Transpacífico. Há vencedores e derrotados. Durante a liderança do Kuomintang, o assunto não foi estudado e não houve envolvimento. Os vietnamitas estão muito à frente dos taiwaneses na harmonização com os requisitos. O que Trump faz é dar e tirar, dar e tirar – é totalmente imprevisível neste momento. Basicamente, Taiwan enquanto pequeno ator tem de estar preparado para que joguem com ele – não está a jogar coisa nenhuma. É muito improvável que Tsai tenha ligado a Trump sem que isso fosse programado – e, na verdade, horas antes da chamada já a informação tinha saído na imprensa taiwanesa. Portanto, se Xi Jinping vai ligar, vamos rejeitar a chamada? Ou se Trump ligar, vai-se rejeitar essa chamada? É improvável. Taiwan está numa posição muito defensiva e passiva, mas deve estar preparada para, quando surgir a oportunidade, emergir. Seja o Tratado Transpacífico ou a Parceria Económica Regional Abrangente, Taiwan tem que se concentrar na sua própria economia, da educação à política económica para estar à altura do desafio assim que surgir a primeira oportunidade. Muitas pessoas criticam o facto de Tsai ter feito a chamada, mas acho que ela não tem grande margem de manobra. Por outro lado, também não parece que acalente expectativas irrealistas – ela é uma pessoa muito cuidadosa. Depois da chamada, não se gabou. Controlou a retórica do seu governo. As coisas têm dois lados. É uma líder muito cautelosa e ponderada, algo que também a prejudica. Nenhum dos planos de reforma está acontecer tão rapidamente quanto se possa pensar. Os Estados Unidos e a China têm algo em comum: ambos estão focados nos próprios problemas domésticos. Taiwan é praticamente um peão do jogo. Não vai marcar pontos em nada disto. As relações China-Estados Unidos são ainda o enquadramento dentro do qual Taiwan se move, e neste momento o quadro é muito incerto.

– Do ponto de vista do reconhecimento nas relações internacionais, como é que Taiwan está a olhar para os anteriores aliados, como São Tomé e Príncipe? São vistos como oportunistas?

S.S.L. – Depois do incidente, se assim o quisermos chamar, de São Tomé e Príncipe, podemos ver, até pela imprensa, que o debate social passou à pergunta ‘para que precisamos nós de aliados?’. Os Estados Unidos não são tanto um aliado, mas estamos dispensados de visto quando vamos ao país. Temos sobretudo trocas comerciais com países que não são nossos aliados. De facto, todos os nossos aliados, se os juntarmos, não produzem nada. O que os contribuintes se perguntam agora é por que é que estamos a dar tanto dinheiro a estes aliados, quando não são efetivamente aliados nossos. E que significado tem ter o Vaticano como aliado diplomático? Esta é uma parte do grande debate público que me parece ser muito saudável ter em Taiwan. Porque este é um jogo muito caro e que, até aqui, teve relativamente pouco significado para além de toda a gente estar a suportar uma grande despesa com estes países. No que diz respeito à participação internacional, neste momento o que Pequim está a fazer é a apertar o mais possível, o que apenas vai prejudicar ainda mais o seu projeto de unificação.

– Mas este aperto económico terá consequências para o atual Governo de Taiwan?

S.S.L. – É bastante interessante notar que a liderança de Taiwan não foi tão prejudicada quanto seria de supor. A China começou a apertar a partir do minuto que os taiwaneses escolheram o PDP, reduzindo os turistas e com todo o tipo de medidas de recuo político. Julgo que os taiwaneses interpretam isto como prova de que fazem bem em votar pelo PDP – não vão respeitar-nos façamos o que fizermos. E, na verdade, enquanto o Kuomintang esteve no poder não houve benefícios para a maioria das pessoas – os indicadores de desigualdade cresceram. A maioria não se viu beneficiada, apenas aqueles que estavam em conluio de interesses com o Governo. Pelo menos, desta maneira, a ação do PDP é pouco espetacular e sem grandes sucessos económicos, mas não é visto como estando em conluio com os negócios. As pessoas deste mundo preferem hoje muitas vezes a justiça às oportunidades – por agora, estamos todos a sofrer, e não uns à frente dos outros. Este é um aspecto da psicologia corrente. Por outro lado, o PDP sofreu muito desde o início, mas isto é positivo: Taiwan precisa de diversificar-se. Estamos demasiado dependentes da China, sendo que um apertão dói logo. Mas a China vai apertar com Taiwan de qualquer maneira porque a sua economia está a abrandar. O facto de Taiwan não ter criado novos produtos e mercados, ou trabalhado com países de tecnologia avançada, foi muito prejudicial. A China está agora a forçar Taiwan a olhar para os Estados Unidos, Japão e Europa de forma a encontrar melhores parcerias e melhor tecnologia. Isto é bom. Taiwan precisa de sofrer antes de transformar a sua economia. A integração com a China significa continuar a trajetória de produção de menor valor, acabando por ser apenas uma peça na cadeia de valor chinesa – o que não corresponde às capacidades fundamentais de Taiwan. 

– Diz que a China tem um problema de relações públicas na Grande China. Essa ideia contrasta bastante com a imagem de que possui grandes capacidades diplomáticas na cena internacional?

S.S.L. – Mesmo a nível mundial me parece que a China está a reformular a sua estratégia. Se olharmos para os Estados Unidos, o melhor exemplo são os institutos Confúcio – um dos mais importantes projetos de softpower – que têm tido resultados desastrosos nos últimos anos. Muitas universidades afastaram-se dos Institutos Confúcio porque estes querem controlar quem ensina, os manuais usados, entre outras coisas. A China está a chegar a um ponto em que o hardpower está em total desacordo com o seu softpower – e tem consciência disso. Quem quereria isso? Toda a gente quer que o softpower seja maior do que o hardpower, e não ter de fazer tantas despesas. O facto é que a China não tem assim tantos recursos como antes para gastar nestes projetos. Por exemplo, se olharmos a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota, nenhum dos países abrangidos vai representar grande benefício económico, mas é uma forma de canalizar produção excedentária. Espera-se que ajude a economia chinesa e crie também alguma boa-vontade. Caso não crie essa boa-vontade, será algo como o que o Japão fez nas décadas de 1970 e 1980: entrou no Sudeste Asiático e nas economias mais pequenas, dando muito apoio e tentando criar boa-vontade, pensando que fosse ser número 1, o que não resultou de todo. A China está hoje a perseguir a mesma estratégia, com infraestrutura e acordos económicos para escoar a capacidade excedentária. Mas acho que a China tem um projeto maior, onde Hong Kong e Taiwan são apenas os melhores exemplos. Taiwan é um óptimo exemplo, porque é tão importante para a China, que passou sete décadas a tentar criar este projeto de unificação – porque nunca se tratou de reunificação – e agora pretende reverter a tendência. Até aqui, pouco teve resultados. Nas conferências em que falo, as melhores perguntas são feitas pelos alunos chineses, que me perguntam como é possível criar softpower para que as pessoas queiram ser chinesas. Eu respondo com uma pergunta: o que é ser chinês? Ficam suspensos. Pergunto então o que os orgulha em ser chinês? Uma estudante que conheci em Nova Iorque publicou agora um artigo que me enviou e que me comoveu bastante. Disse que nunca tinha pensado no que significava afinal ser chinesa, mesmo querendo que taiwaneses e população de Hong Kong se sintam chineses. Tem de haver valores que possam ser abraçados pelas pessoas. O projeto não é de uma Grande China ou global – é um projeto chinês. A China tem de fazê-lo por si própria. Precisa que os chineses queiram ficar na China, de norte a sul, em todas as províncias, do Tibete à Mongólia Interior, e ainda nem sequer começou a criar uma narrativa para isso. Se olharmos para literatura sobre a identidade, a identidade chinesa está ainda muito atrasada. Precisa de encontrar algo que abrace a todos, que permita que diferentes pessoas pertençam a ela. Como é que pode perseguir o grande plano de ter paz com o Japão e a Coreia do Sul, a Ásia e o mundo, que são o propósito final? Entendemos que os líderes chineses são ambiciosos para além de uma dimensão militar, e culturalmente querem que as pessoas abracem a China para que os chineses se possam expandir sem resistência. Hong Kong e Taiwan são apenas um exemplo, mas são os projetos mais fáceis para a China. Se não o conseguirem fazer, o resto será muito mais difícil. Há muitos chineses em Hong Kong e Taiwan – havia mais no passado – e, cada vez mais, as pessoas de Hong Kong e Taiwan não se consideram chinesas. É um fracasso quando acontece em lugares com laços culturais muito fortes. 

Maria Caetano

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