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“Campanhas têm sido muito orientadas pelo dinheiro”

É um número alto e preciso: 3,549,622 patacas. Trata-se do montante máximo que cada candidato pode gastar nas próximas eleições para a Assembleia Legislativa, fixado no início desta semana. E, mesmo inferior ao das legislativas passadas, os analistas continuam a achar que se trata de um valor muito alto, correndo-se o risco de favorecer a corrupção eleitoral.

Nas eleições de 2013, o limite máximo que cada candidato a deputado podia gastar em campanha situava-se na ordem das 5,6 milhões de patacas, ao passo que, para as legislativas de 2017, corresponde a 3,5 milhões de patacas. A Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa foi revista em 2016, mas não alterou o ponto que determina que cada candidatura não pode despender mais do que 0,004 por cento “da média do valor global das receitas do orçamento geral da RAEM nos dez anos anteriores.”

O limite de despesas que cada candidatura pode gastar nas eleições para a Assembleia Legislativa do ano 2017 é fixado em 3,549,622 patacas”, de acordo com despacho do líder do Governo. Em 2013, o Chefe do Executivo havia determinado que esse limite se fixava em 5,644,278.46 patacas.

“É interessante, porque nas últimas eleições o Chefe do Executivo não aumentou as despesas e este ano houve um corte de mais de um terço”, diz o analista Eilo Yu. “Diria que se trata de um bom corte — temos uma população pequena e se no passado gastámos 5,6 milhões de patacas, estes 3,5 milhões de patacas são mais razoáveis do que no passado”, continua.

Em termos globais, os cadernos de recenseamento contam agora com um total de 307,020 eleitores inscritos. Fazendo as contas por votante, esse montante máximo corresponde a mais de dez patacas por pessoa. “Se compararmos com o caso de Hong Kong, ali o montante corresponde apenas a cerca de dois dólares de Hong Kong por eleitor, enquanto em Macau continua a ser cinco vezes superior ao de Hong Kong”, destaca o analista.

Tratando-se de um valor ainda “alto”, Eilo Yu refere que o problema passa pelo limite máximo imposto na Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, expresso numa percentagem dos orçamentos da região dos últimos anos. Segundo o diploma, “o limite de despesas que cada candidatura pode gastar é fixado por despacho do Chefe do Executivo, com base nos dados mais recentes à data do despacho sobre a estimativa da população da RAEM, o número de pessoas inscritas nos cadernos de recenseamento e a situação de desenvolvimento económico”, mas esse teto terá de ser “inferior aos 0,004 por cento da média do valor global das receitas do orçamento geral da RAEM nos dez anos anteriores.”

Olhando para o passado, “se o rendimento anual do Executivo não era assim tão alto, 0,004 por cento não era assim tanto”, mas, dadas as mudanças nos últimos dez anos, isso alterou-se. “Temos uma economia muito boa e as receitas do Governo aumentaram mais de dez vezes, e não mudámos a lei eleitoral”, diz. Assim, “é bastante controverso o montante que cada candidato pode gastar na eleição”.

Tem sido, assim, o líder do Governo a impor limites menores, através de despacho. “Nas eleições de 2013, se, pela lei eleitoral, chegava-se a um teto de dez milhões, o Chefe do Executivo reduziu-o, por despacho, para cinco milhões, mas este ano cortou ainda mais”, destaca. Ainda assim, falta um “qualquer critério”, devendo o Governo, segundo o analista, depois de terminadas estas legislativas, defini-lo “para ajudar as despesas eleitorais”.

Limites não atualizados

A Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa foi revista em 2016, mas não atualizou este ponto. “Provavelmente, o Governo não quis mexer neste limite, mas não significa que o Chefe do Executivo tenha de segui-lo”, diz Eilo Yu, acrescentando: “Podem gerir as coisas de forma a que não seja necessário gastar demasiado dinheiro nas eleições.”

O professor da Universidade de Macau destaca ainda que 3,5 milhões de patacas “pode não ser assim tanto dinheiro para alguns candidatos”, até porque, durante a campanha, “há muitas atividades ligadas aos candidatos, mas que não contam como campanha, e estas despesas podem vir de outras organizações”. Na opinião do analista político, “este tipo de atividades cai numa zona cinzenta da lei”.

Sobre se o diploma que regula as eleições para a Assembleia Legislativa devia dispor sobre estas atividades a cargo de outras organizações ou associações, Eilo Yu responde que “é muito difícil fazê-lo”, dado o número de grupos sociais do território. “Se incluíssemos isto na lei eleitoral, talvez pudéssemos estar a violar a liberdade de organizar estas atividades; não é razoável pedir a todas as organizações que parem com este tipo de atividades”, conclui.

Favorecimento aos mais ricos

Para o analista Larry So, a diminuição do limite máximo de despesas que cada candidato pode fazer durante a campanha eleitoral toca num ponto bastante importante da política eleitoral do território. “No passado, as campanhas têm sido muito orientadas pelo dinheiro; as campanhas partem de pessoas ricas e poderosas que gastam muito dinheiro”, diz o professor do Instituto Politécnico de Macau. “Não digo que estejam a comprar votos, mas estão a gastar dinheiro para convencer as pessoas a votar”, acrescenta.

Esta redução do teto, imposta no despacho do Chefe do Executivo, “pode não ser suficiente”, quando se faz as contas por eleitor. “Continua a ser muito dinheiro para gastar por votante”, declara. E salienta que, como a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa impõe como limite máximo uma percentagem dos orçamentos, gasta-se muito dinheiro em campanha, correndo-se o risco de “comprar eleitores com donativos, banquetes”. Além disso, haver um teto tão elevado “leva a que só aqueles que têm muito dinheiro possam fazer uma campanha”, ou são engolidos pela concorrência. “Os democratas não assim tão ricos e podem ter dificuldade em concorrer com as pessoas que têm dinheiro”, diz, a título de exemplo.

Assim, na opinião do académico, devia haver uma mudança de “abordagem”, plasmada na Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa. “Ao invés de ser uma percentagem do orçamento, devia fixar-se quanto cada candidato pode gastar por eleitor”, declara. O diploma foi revisto no ano passado, mas apenas “contém pequenas alterações”, não se vendo alterações de fundo. “Não houve mudanças de conceito”, destaca.

Revisão sem impacto

Eilo Yu afirma que as alterações à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa foram muito pontuais e não deverão ter grande impacto. “O Governo tentou reforçar o controlo — por exemplo, quer que as organizações ou grupos sociais, com grande ligação a determinados candidatos, que promovam certas atividades, as reportem à Comissão dos Assuntos Eleitorais”, diz. Aliás, salienta, trata-se de uma medida que “não pára quaisquer irregularidades que estes grupos sociais possam cometer, por via dessa zona cinzenta”, não sendo, por isso, “muito eficaz”, até porque não se percebe “quais são os critérios que podem levar a Comissão dos Assuntos Eleitorais a banir essas atividades”.

No cômputo geral, tirando “pequenas revisões no que toca à compra de votos e à justiça” das eleições, “estas alterações não terão grande influência no próximo ano”.

Recorde-se que as principais alterações da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa passam pela imposição aos candidatos a deputados em Macau de uma declaração de fidelidade à República Popular da China, à Região Administrativa Especial de Macau e sua Lei Básica, pela eliminação da possibilidade de deputados do território se poderem candidatar a cargos fora do território, além de se poder agora condenar as pessoas colectivas em casos de corrupção eleitoral.

Luciana Leitão

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