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“Macau não deve perder o seu ambiente de cidade pequena”

A diretora do Instituto para Urbanização Sustentável de Hong Kong, Sujata Govada, diz que a dimensão de Macau incentiva a criação de zonas pedonais interligadas. Olhando para os projetos de habitação pública na Zona A, diz que há coisas que se pode aprender com Hong Kong: deve-se reproduzir o sucesso da rede de transportes públicos, mas evitar a criação de zonas residenciais sem serviços complementares. “O desenvolvimento misto é importante para que as pessoas vivam, trabalhem e se divirtam na sua área de residência”

Nelson Moura

– Na sua apresentação mencionou que talvez Macau não se deveria focar tanto em construir novos aterros. Pode desenvolver?

Sujata Govada – Basicamente, o que disse foi que há muitos aterros em Macau, mas é algo que entendo. A cidade tem uma situação um pouco diferente de Hong Kong, porque as águas em Macau têm uma profundidade média de três metros, mais ou menos. Mesmo sem aterros, há muita sedimentação. O meu ponto principal foi que, se a escolha recai na construção de aterros, é preciso garantir que qualquer novo projeto é realmente bem pensado, que não tenha um impacto muito grande no meio ambiente e que traga mais benefícios para as pessoas. Ou seja, que realmente complemente Macau e a torne numa cidade melhor. O envolvimento da comunidade também é importante e por isso sugeri alguns princípios, como os que usamos em Hong Kong e nas Filipinas, onde reunimos as partes interessadas, incluindo governo, setor público, setor privado, académicos e a comunidade, e dizemos: Estas são as questões urbanas críticas.

Uma das coisas que sinto agora, com os meus mais de 35 anos de experiência, é que projetos e desenvolvimentos só são bem-sucedidos se trouxerem vantagens para diferentes segmentos da sociedade. Devem ser benéficos para a comunidade, mas também para o setor privado, para o governo e todas as partes envolvidas”.

“Acho que Macau pode definitivamente aprender com a experiência dos transportes públicos de Hong Kong

– É preciso, portanto, fazer um cálculo do impacto que estes projetos têm no ambiente e as vantagens que trazem para a cidade?

S.G. – Uma das coisas que temos feito é destruir o planeta e o meio ambiente. Não estou a dizer apenas em Macau, acontece em todo o lado. Esta é a verdade em todo o mundo. Se nós desaparecermos amanhã, o planeta ficará bem. Mas se continuarmos a viver desta maneira, não estamos apenas a prejudicar o ecossistema, a ecologia, mas também os sistemas animais e toda a vida em geral. Como seres humanos, temos esta sensação de que por direito de nascimento somos melhores do que todas as outras espécies e que podemos fazer o que queremos. Acho que essa atitude ao longo do tempo resultou em muitos dos problemas que vemos nas cidades, ou até mesmo nas áreas rurais. Foi isso que vi em Macau, há muitos aterros.

Muitas cidades fizeram algum tipo de aterro ao longo do tempo, como Boston, Nova Iorque, etc. Em Hong Kong, tornou-se um problema porque fizeram em excesso, ao ponto em que o porto se tornou mais estreito e o rio mais turbulento. Hong Kong é um porto ativo, por isso as pessoas começaram a ficar irritadas e reclamaram ou iniciaram processos judiciais onde disseram ao Governo que não podiam criar mais aterros. Não acho que Macau tenha chegado a esse ponto, mas acho que é uma área na qual pode haver melhorias na comunicação com o povo.

– Como sugere que se aumente a intervenção da população nestes assuntos?

S.G. – Talvez através de educação e consciencialização para que as pessoas percebam todos esses fatores. No fim do dia, o que todos querem é viver uma vida feliz e saudável. Mas podem perguntar qual é o resultado dos planos a serem elaborados. Ou seja, quem é que está a beneficiar?. Acho que olhar para isso é importante, e garantir uma consulta tanto de cima para baixo, como de baixo para cima. O envolvimento do governo é necessário, mas não se pode dizer que deve fazer tudo. A comunidade também precisa de se tornar parte interessada e envolver-se, tentando viver e agir de maneira responsável.

– A Zona A vai acolher cerca de 28.000 habitantes. Que lições podem ser retiradas de projetos semelhantes em Hong Kong?

S.G. – Acho que em Hong Kong a habitação pública é usada como uma forma de construir novos centros urbanos ou áreas de desenvolvimento. Constrói-se habitação pública e implementam-se novas ligações de transporte. As infraestruturas de transporte são boas, mas acho que se desenvolve muita habitação pública e nenhum outro projeto; e isso tornou-se um problema. Ou seja, os complementos à habitação pública levam cinco ou 10 anos a chegar. Nesse período, só existem pessoas nesse complexo de habitação pública e não se construíram instalações que atendam às suas necessidades. Tin Shui Wai, por exemplo, foi planeado em conjunto com o setor privado. O Governo prosseguiu com os planos, mas depois a economia de mercado colapsou e os parceiros privados desapareceram. O Governo já tinha investido muito e seguiram com o projeto, mas porque o setor privado só veio depois, surgiram muitos problemas sociais. O desenvolvimento misto é importante para que as pessoas vivam, trabalhem e se divirtam na sua área de residência. Assim se cria uma comunidade vibrante. Também deve haver uma mistura das classes sociais, ou seja, estas zonas não devem servir apenas residentes com pouca capacidade financeira.

– Tendo em conta o seu objeto de estudo em Hong Kong, quais seriam os bons exemplos e os maus exemplos que Macau pode usar para desenvolver a Zona A?

S.G. – O que se percebeu é que o coeficiente de ocupação deve ser cerca de cinco metros quadrados por pessoa. Hong Kong tem de fazer muito melhor, e nos novos projetos urbanos estão a tentar criar mais espaço aberto.

Se olharmos para Kuala Lumpur ou Singapura, por exemplo, o coeficiente de ocupação é de 15 metros quadrados por pessoa, enquanto Hong Kong em média tem menos de três. Onde Hong Kong esteve extremamente bem foi em termos de transporte público. Acho que Macau pode definitivamente aprender com a experiência dos transportes públicos de Hong Kong.

“As infraestruturas de transporte [em Hong Kong] são boas, mas acho que se desenvolve muita habitação pública e nenhum outro projeto; e isso tornou-se um problema. Ou seja, os complementos à habitação pública levam cinco ou 10 anos a chegar

– Falou também na necessidade de tornar a cidade mais conveniente para pedestres. Como poderia Macau desenvolver essa área?

S.G. – As pessoas de Hong Kong caminham muito em comparação com, digamos, países ocidentais. Uma pessoa é quase forçada a caminhar, o que é bom, mas não é uma experiência muito agradável em todas as áreas. Hong Kong e Macau são também extremamente seguros, Macau não deve perder o seu ambiente de cidade pequena, apesar dos novos desenvolvimentos. As zonas ribeirinhas devem tornar-se muito mais acessíveis e caminháveis. Acho que é realmente necessário mudar essa orientação do uso de carros para uma que favoreça o uso de transportes públicos e zonas pedonais, onde caminhar ou andar de bicicletas se torne uma forma de transporte público.

Acho que, se algo saiu da pandemia, é que as pessoas perceberam a importância da família, do espaço público, da saúde e de ter um ritmo de vida um pouco mais lento.

Sabe porque é que o envolvimento da comunidade é tão importante? Porque só assim se entende as aspirações e problemas dos residentes. Podes ser um designer numa grande empresa ou até alguém sentado nos escritórios do governo, mas não vais saber exatamente os problemas comuns até conheceres o dia a dia dos outros. Só assim é possível conceber um plano que seja apropriado para todos.

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