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Casas só para os ricos

Guilherme Rego*

Discute-se o futuro do mercado imobiliário na Assembleia Legislativa de Macau. De forma a energizar um mercado que afundou durante a pandemia, a proposta de lei do Governo contempla a isenção do imposto de selo (5%) sobre uma segunda casa. Esta imposição entrou em vigor numa altura em que o mercado estava inflacionado, e era necessário controlar os preços e equilibrar o acesso à habitação. Agora, retira-se para incentivar a compra.

Em simultâneo, contudo, pondera-se subir o valor da entrada de uma casa de 10 para 30%. Se o objetivo era impulsionar a compra… nem é honesto dizer que se volta à estaca zero. Descemos para os negativos. O secretário para a Economia e Finanças diz que “se o Governo não estabelecesse um limite máximo para o rácio de empréstimo da hipoteca e se deixasse ao mercado a decisão (…) no futuro, eventualmente, os requerentes teriam de suportar um grande risco” na liquidação do empréstimo. Por outro lado, “surgiriam outras responsabilidades de risco sistémico”. Pergunto, sinceramente, quem estará a ser protegido por esta medida. As pessoas que deixam de ter capacidade para adquirir uma casa? Ou os bancos e a sua exposição? Como se estes últimos não fizessem análise de risco antes de dar crédito à habitação…

Provavelmente, não beneficia nenhum dos dois. Aos que ponderavam a aquisição é que não beneficia de certeza. Consideremos um caso prático: uma casa barata em Macau, com pouca ou nenhuma valorização de futuro, custa à volta de 2.5 milhões e obriga a uma entrada de 250 mil patacas (10%). Depois da lei entrar em vigor, passa a 750 mil (30%). É uma mudança demasiado radical. Inevitavelmente, retira centenas de compradores do mercado. É essa a intenção? O que justifica esta necessidade de minimizar o risco? O secretário, como tem sido prática deste Governo, menciona “dados” que explicam esse racional, mas não os adianta em público.

Voltemos à isenção do imposto de selo sobre a segunda casa: quem contempla a aquisição de uma segunda casa, certamente não passa pelas mesmas dificuldades financeiras dos que nem sequer têm uma. E talvez até consigam comportar com o novo limite imposto à entrada (reforço o talvez), mas se uma das casas for para arrendar, vão subir os preços para cobrir o valor da entrada e taxas de juro. Portanto, a mensagem que se passa para o mercado é a seguinte: quem já tinha dificuldades em comprar, a esperança morre. O mercado privado passa a ser dos que têm condições financeiras excecionais. Já o era, mas consolida-se o “gap” entre classes.

O Governo depara-se com uma fraca adesão dos residentes à habitação pública, com muitas críticas à mistura por estar demasiado próxima dos valores do privado. Esta medida certamente torna a habitação pública mais apetecível. Muda a narrativa – até foi bem pensada se tinham este rácio de empréstimo em mente. Agora é mais fácil de convencer o povo em enveredar pelo plano do Governo. Quem não tem capacidade financeira para ter habitação privada, começa pela pública; vai subindo no escadote da habitação pública até chegar ao mercado privado. Esquecem-se que até esse racional vai por água a baixo. Se a lei avança, aumentam a distância entre a habitação pública e privada. Condenam muitos residentes a uma vida inteira na habitação pública.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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