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Como é que Macau se pode preparar para eventos climáticos extremos?

Nuno Soares, arquiteto e urbanista

Macau está geograficamente muito exposto a eventos climáticos extremos. A sua localização, no Delta do Rio das Pérolas, é particularmente vulnerável ao aumento do nível das águas do mar. O território é anualmente afetado por tufões com ventos muito fortes e cheias frequentes.

Esta vulnerabilidade foi por demais evidente em 2017 com o tufão Hato, que inundou 25% da área da península, causando dez mortos e comprometendo o abastecimento elétrico e o funcionamento da cidade.

No futuro, com as alterações climáticas, estes eventos serão mais frequentes e mais severos. Neste contexto, é indispensável e inevitável um planeamento sistemático que previna, mitigue os efeitos e reduza os custos sociais e económicos dos eventos climáticos extremos.

Comparando com 2017, estamos mais bem preparados a muitos níveis. Houve uma clara melhoria na qualidade dos alertas e no mapeamento das zonas de risco. Temos, finalmente, um novo plano director que contempla estas preocupações, bem como vários projectos em execução para bombagem de águas pluviais em situações de pico. Mas Macau não tem ainda uma solução cabal nem uma estratégia geral para tornar a cidade mais resiliente. E para isso é necessário haver estudos rigorosos e consequentes.

Tenho trabalhado a nível académico e profissional neste assunto há mais de dez anos. Coordenei um estudo internacional sobre o Porto Interior, publicado em livro em 2014, no qual foram delineadas uma série de medidas urgentes, com destaque para o plano de prevenção de cheias, isto anos antes do Hato.

Durante vários anos, coordenei o estúdio de desenho urbano no Master in Science in Urban Design da The Chinese University of Hong Kong. No contexto destes estúdios, estudámos vários cenários para o Porto Interior – como barragem de maré, paredão ou esponja – e desenvolvemos planos urbanos resilientes para os novos aterros.

Colaborei também num workshop internacional com as melhores universidades mundiais, patrocinada pelo Governo de Singapura, para testar soluções para “future-proof” as infraestruturas públicas nos próximos 20 anos.

Entre 2020-2022, coordenei o projeto, encomendado pelo IAM à Universidade de São José, para o plano geral do espaço público na zona Sul do Porto Interior.

Destes vários projetos e experiências, posso concluir que não há uma solução mágica ou resposta única para este problema. É necessário ter uma abordagem holística, que integre um conjunto de intervenções complementares, e é essencial que exista redundância.

Dos resultados obtidos nestes vários projectos, podemos observar que:

Barragem de Maré

Tem um custo elevado; exige coordenação com Zhuhai; terá que ser coordenada com outros projetos, como o sistema de retenção e bombagem complementar, que protegerá a cidade até á barragem estar construída. Tem como principal vantagem reduzir a intervenção no tecido urbano existente. Mas carece de confirmação de eficácia técnica, que até agora desconheço.

Paredão (Sea-wall)

Bloqueia a proximidade da cidade com a água, alterando toda a extensão de costa; terá um custo muito elevado e exige intervenção de articulação com o tecido urbano existente. Mesmo que integre o metro e tratamento paisagístico, é uma solução muito pesada.

“Esponja”

Caso não se implemente a Barragem de Maré nem o Paredão, sobra uma solução permeável (esponja), em que a cidade tem que absorver grandes quantidades de água em situações de pico. Neste caso, o sistema de retenção e bombagem terá que ser muito sobredimensionado e o tecido urbano existente terá de ser adaptado para conseguir absorver água e sobreviver a cheias futuras. Terá que ser complementado por muitas intervenções pontuais de reforço da linha de costa e das construções adjacentes.

Qualquer das soluções é complexa e requer a articulação de múltiplas intervenções para criar um sistema que seja coerente e resiliente. Estamos a falar de uma questão de segurança que é fundamental para o desenvolvimento social e urbano de Macau.

Há que começar por fazer um estudo de viabilidade com diferentes cenários que testem diferentes soluções, considerando múltiplos factores, como eficácia, implementação, custo, manutenção, impacto ambiental e qualidade urbana.

São necessários estudos individuais e comparativos das várias soluções, que permitam concluir com rigor qual a melhor opção. Uma vez escolhida a solução mais adequada, há que ser consequente a desenhá-la e a implementá-la.

Para além da solução infraestrutural de fundo, há várias soluções de menor escala que podem e devem ser implementadas desde já em cada um dos planos de pormenor. É necessário aumentar significativamente a área de pavimentos permeáveis e os espaços verdes por toda a cidade, para absorver água e reduzir a sua concentração em períodos de pico. É também necessário um sistema integrado de retenção de águas, distribuído pelo território e com capacidade de retenção muito superior aos máximos históricos. E é preciso planear e incorporar redundância nestes vários sistemas. Finalmente, é necessário que cada uma das novas construções esteja preparada para resistir e para fazer a sua parte, contribuindo não para o agravamento, mas para a resolução do problema geral.

Sempre com o objetivo de criar uma cidade resiliente, focada não só na resolução de problemas, mas sobretudo na qualidade urbana e de vida dos seus habitantes.

*Arquiteto e urbanista

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