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O ressurgimento da “civilização espiritual socialista” na China

Jorge Costa Oliveira, Consultor financeiro e business developer

A política de “reforma e abertura” instituída por Deng Xiaoping criou receios, em setores mais conservadores do PCC, de que a prossecução desenfreada do desenvolvimento económico – tão bem ilustrada na frase “ficar rico é glorioso” – conduzisse a uma regressão moral e ética, a uma sociedade cujos cidadãos fossem materialmente “ricos”, mas egoístas, gananciosos, desconfiados dos outros e incapazes de cooperar para o bem comum.

Estes receios foram catalisados pela entrada em força na China da cultura popular ocidental, tendo levado ao lançamento (em 1983) de uma “campanha contra a poluição espiritual”, a qual foi interrompida após alguns meses em virtude da desaceleração do crescimento económico. Mas Deng reconheceu a necessidade de contrabalançar o primado do desenvolvimento económico com a construção de uma “civilização espiritual socialista”, tendo o conceito sido mencionado no Relatório Político ao 13.º Congresso Nacional do PCC (1987) e adotado pela sua liderança desde então. Em abril de 1997 foi mesmo criada, sob o Comité Central do PCC, uma “Comissão Central de Orientação para a Construção da Civilização Espiritual”.

Durante as lideranças de Jiang Zemin e de Hu Jintao, o conceito foi mantido e reforçado, embora num pano de fundo histórico em que a corrupção crescia e problemas fulcrais para a economia chinesa (a questão demográfica, a bolha do imobiliário, o financiamento dos governos locais, a fraca gestão dos principais bancos estatais) eram empurrados com a barriga. Com a credibilidade do PCC erodida, regressa o espetro da regressão moral e ética, além do ceticismo sobre a lealdade dos cidadãos ao Partido-Estado.

Com a chegada de Xi Jinping à liderança (2012), assiste-se a um combate sério à corrupção e a uma gradual (e incompleta) resolução dos problemas fulcrais da economia chinesa, a par de um reforço da identificação do Partido com o confucionismo; expressões como “harmonia social” voltam a ser usadas, e o conceito de “excelente cultura tradicional” é reconstruído e usado durante alguns anos com o objetivo de mostrar como o PCC, sob a liderança de Xi, valoriza a moral tradicional chinesa, sancionando o papel da tradição na vida pública, política e partidária.

Após o 20.º Congresso do PCC (2022), Xi regressou ao conceito de “civilização espiritual socialista”, acrescentando que “devem ser feitos esforços para adaptá-la ao contexto de uma sociedade socialista e desenvolver uma cultura socialista avançada”. Tais esforços devem estar sempre subordinados aos ditames do “socialismo com características chinesas”, tal como definido pelo Partido-Estado. Em suma, o PCC realinha-se com a herança civilizacional chinesa e com as expectativas da sociedade, sem fazer concessões no que tange ao controlo ideológico do Partido-Estado.

O ressurgimento do conceito de “civilização espiritual socialista” é um poderoso instrumento re-legitimador do regime, resultante da agregação da herança cultural confucionista à vertente leninista de sujeição de tudo e de todos ao Partido-Estado. Não admira, por conseguinte, que a compilação dos discursos de Xi sobre o assunto num livro (Trechos das Exposições de Xi Jinping sobre a Construção da Civilização Espiritual Socialista, 2023), seja de estudo obrigatório para os quadros do Partido e em todas as escolas chinesas.

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