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Uma década decisiva

Paulo Rego*

O constrangimento financeiro do Jockey Club não é novo. Se é que alguma vez o seu sentido foi económico, os números mostram um prejuízo pouco acima dos 2 mil milhões de patacas, nas últimas duas décadas. Terá sido importante para atração do turismo VIP, há ali terrenos supervalorizados… mas o modelo de negócio, com restrições regulamentares à captação de novos mercados – ou ao jogo online – no fundo ninguém percebe as corridas de cavalos como um modelo de negócio. Entretanto, o Governo exige mais 2 milhões em investimento non-gaming… ameaçando retirar a concessão se esse compromisso não for cumprido. E essa é uma postura que deixa clara a posição oficial, em toda a indústria de jogo e apostas.
Sejamos claros. Todos os argumentos que defendam a perpetuação do Jockey Club são válidos. Mas é também claro que o Governo não está nada preocupado com isso. Há uma agenda estratégica a cumprir: as operadoras de Jogo comprometeram-se a investir na diversificação da oferta de turismo e lazer. Primeiro hesitaram, mas cedo perceberam que não havia margem do lado oficial. Como se vê no chumbo coletivo das propostas apresentadas, vão ter de o fazer, como o Governo entende, haja ou não haja resultados financeiros. Ou seja, no raciocínio do Governo, alinhado com Pequim, só há jogo porque a cidade não vive sem essa receita (até ver), mas a indústria do jogo tem de projetar – e pagar – um futuro com cada vez menos jogo.
Há poucos meses, durante a sua visita a Portugal, Ho Iat Seng resumiu a questão numa das suas mais importantes declarações políticas da sua governação: se a diversificação económica não funcionar, os cofres públicos terão de se alimentar da coleta de impostos. Nas palavras do Chefe do Executivo: “Macau não acaba”, na pior das hipóteses, teremos é de cobrar mais impostos”.
Há muito menos tempo do que se pensa para resolver a equação. Daqui a cerca de uma década. Quando as concessões forem repensadas, as condições em que poderão operar – ou deixar de o fazer – dependem certamente da avaliação que se fizer deste período. Ou seja: os casinos terão de facto que promover a diversificação e fazer mais dinheiro fora das mesas de jogo. Os impostos conjugados do jogo que na altura houver, somados aos impostos cobrados a novas atividades entretanto descobertas e desenvolvidas, terão de ser suficientes para a governação da cidade. Se não forem, acaba o paraíso fiscal.
Quer isto dizer que há duas narrativas de costas voltadas. Uma, a que manda, diz sim, que há jogo. Mas só enquanto houver e se for capaz de patrocinar a sua própria morte. Caso contrário não fará sentido. Do outro lado estão empresas globais, habituadas a estar onde querem e faça sentido, estando aliás viciadas no compadrio com os governos – pela receita que geram – e muito pouco confortáveis com uma condução estatal direcionada – e pormenor – como se fossem departamentos de uma estratégia estatal. Ficam enquanto acharem que lhes serve, mas há muito tempo colocam muitos ovos em jurisdições alternativas. Quando acharem que as condições não servem… fecham a operação em Macau.
Há, portanto, um risco sério – mesmo provável – de Macau mudar radicalmente o seu perfil económico e turístico na próxima década. Resta saber se isso é conseguido pelos casinos (na luta pela reconversão e sobrevivência), pelo Governo (nada interessado em continuar a delapidar a Reserva Estratégica), ou pela população, que recuará a níveis de vida mais próximos daqueles praticados do lado de lá da fronteira, por força do aumento de impostos.
Dadas as opções em jogo, diria que é do interesse de todos fazer vingar a diversificação, aviso que se ouve há pelo menos três décadas da boca de Pequim. Esta próxima década pode bem ser a última…

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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