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Cortinas de curto alcance

Paulo Rego*

Macau reergue-se na era pós-covid e confirma a vocação de principal destino do turismo interno chinês. Macau trabalha bem a sua promoção externa, e Pequim incentiva esse fluxo que garante receitas. Pese arrastar-se o desentendimento sobre as contrapartidas exigidas pelo Governo, as operadoras reencontram o caminho dos lucros, como se prova pelos resultados da Sands no primeiro semestre. Entretanto, Ho Iat Seng promete aprofundar o ensino do português, logo nos primeiros anos de escolaridade. Dirão os mais otimistas: tudo está bem quando volta ao seu lugar. Mas não é bem assim. Os males, esses, são estruturais. E ameaçam eternizar-se.

Não há horizonte para além do turismo enquanto os planos de diversificação continuarem dependentes das contrapartidas exigidas às operadoras. Essa contradição, nos termos e condições da própria essência da indústria, esconde o verdadeiro drama de uma cidade há tanto tempo viciada nos impostos do jogo. No fundo, é como exigir à Xerox que não venda prints, mas sim esferográficas, ou arte pictórica. Mesmo que seja possível impô-lo, no curto prazo, não se pode alimentar a ilusão de que há nisso futuro. A realidade vai acabar por se impor.

Aquilo que se pode hoje exigir aos agentes turísticos é que invertam no curto prazo a angústia que tomou conta da cidade durante a política de covid zero. E estão a fazê-lo. Os sinais, de facto, são positivos. É impossível inventar em meses uma cidade que há décadas não existe. É bom não cair na tentação de acreditar que Pequim acabará por aceitar que Macau tem de viver do jogo. Não é esse o plano central… Logo, se for essa a ilusão de Macau, está condenada ao fracasso.

Quanto ao ensino do português, merece o mais sincero elogio a narrativa política que reconhece o bilinguismo como traço de identidade, instrumento de diversificação e afirmação internacional. Contudo, mais uma vez, há uma cortina que nos tenta iludir. Estão mesmo as novas elites políticas e económicas comprometidas com esse desígnio? Não estão. Estão, aliás, cada vez mais longe disso.

Primeiro, o ensino da língua não tem qualidade nem ambição para um objetivo dessa magnitude. Os alunos chineses que aprendem português, anos a fio, estão a milhas de distância de serem falantes – muito menos escribas – na língua de Camões. Aliás, como os alunos com aulas de mandarim na Escola Portuguesa, que acabam o liceu a saber pouco mais do que aquilo que todos dizemos ao taxista ou ao vendedor de fruta. A multiculturalidade, alma de Macau, tem dois sentidos – e tem de ir muito para além da língua. E o que se vê – e sente – é uma cidade de costas voltadas para a herança da portugalidade e a cultura autonómica. Em termos económicos, sociais e políticos.

O ensino das línguas – e a educação em geral – mantém patamares tão baixos que os filhos da terra emigram para faculdades no exterior. E assim nos iludimos com a narrativa de um centro de excelência bilingue ou a cidade que se afirma diferente da China em toda a linha.

O regresso do turismo e a recuperação dos casinos era a única fórmula para salvar a cidade no curto prazo. O ensino do português e o bilinguismo; acima de tudo uma cultura de excelência para a educação, fazem parte da essência do futuro que nos está destinado. Há por isso motivos para festejar os sinais económicos e políticos de curto prazo. Mas é também essencial ter honestidade intelectual e visão de médio e longo prazo. Ou a ponte lusófona e a diversificação económica ganham consistência e ambição; ou mais cedo que tarde nos arrependeremos de não ter visto para lá da cortina.

*Diretor-geral do PLATAFORMA

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