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Residentes ao alto

Sou Chio Fai diz que está na hora de aumentar as ambições. O objetivo é que os locais passem a estar entre a elite internacional e ocupem lugares de prestígio lá fora e cá dentro.

É também nesse sentido que a Comissão de Desenvolvimento de Talentos tem estado a trabalhar. Em entrevista ao PLATAFORMA, o secretário do organismo, Sou Chio Fai, defende que está na altura de começar a alargar horizontes e deixar de limitar os locais a áreas como a tradução. Para colmatar a falta de quadros qualificados, o também coordenador do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior defende que Macau devia ter uma política mais “pró-ativa”, que faça os residentes altamente qualificados quererem ficar e voltar à cidade. O responsável ressalva, no entanto, que a mão-de-obra de fora continua a ser fundamental se Macau quer crescer.

– Referiu em entrevista que os níveis médio e alto são os que mais necessitam de quadros. Quantas pessoas qualificadas precisa Macau? 

Sou Chio Fai – Tendo em conta que foi definido para Macau ser uma plataforma de serviços comerciais entre a China e os países de língua portuguesa, e um centro mundial de turismo e lazer, numa primeira fase, os nossos estudos centraram-se em áreas como hotelaria, restauração, venda, exposições e setor do jogo. Numa segunda fase, alargámos os estudos à construção, e às áreas de finanças e contabilidade. Com estes estudos, vamos ter mais ou menos uma ideia. 

– Mas tem uma estimativa?

S.C.F. – É um pouco difícil dizer porque a situação muda de ano para ano. Por isso, é que não respondi com um número. Os primeiros estudos começaram em 2015/2016, agora estamos a refazer os estudos. Estamos a iniciar o processo de consulta para o estudo sobre os hotéis e na área de jogo já encomendámos a uma instituição do ensino superior. Só teremos os números atualizados daqui a meio ano, quando estiverem concluídos.

– O que está a fazer o Governo para colmatar as lacunas?

S.C.F. – Além dos estudos, aperfeiçoámos as informações fornecidas ao público. Sabemos que temos estas necessidades nos níveis médio e alto, por isso no site da Comissão de Desenvolvimento de Talentos explicamos quais são os critérios que um profissional tem de reunir para poder ocupar esses postos. Não basta ser residente para se poder ocupar um alto cargo. Disponibilizamos informação sobre os requisitos necessários: certificação, qualificação profissional, entre outros. Também referimos quais os estabelecimentos de ensino universitário que oferecem os cursos para as respetivas áreas. Em termos de formação de quadros, estamos a apostar em três frentes: elite, que são pessoas que estão no médio, topo de uma empresa; em profissionais como advogados, médicos, engenheiros, contabilistas; e trabalhadores com formação profissional. 

– E que trabalhos estão a ser desenvolvidos para cada uma das áreas?

S.C.F. – Ao nível das elites, iniciámos um projeto de atribuição de bolsas para residentes. Podem fazer um MBA em Hong Kong ou em Portugal. O de Hong Kong é um dos melhores da Ásia. O de Portugal é um consórcio entre a Universidade Católica, a Nova de Lisboa e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Queremos formar gestores bilingues, que falem português e chinês. Isto é importante. Além destas opções, escolhemos os melhores 15 MBA do mundo e também atribuímos bolsas. Outra aposta recai sobre as organizações internacionais. Macau tem o Fórum Macau e é uma plataforma. Quer isto dizer que as pessoas de Macau só podem ser tradutores, relações públicas ou dar apoio logístico? O meu desejo é que as pessoas de Macau também passem a ocupar lugares cimeiros em organizações mundiais, incluindo as lusófonas.

– Há outras medidas da Comissão no sentido de internacionalizar os quadros locais?

S.C.F. – Por um lado, falámos com as universidades de Macau que têm cursos de português no sentido dos alunos irem a Portugal mais um ano e criar oportunidades para fazer um estágio numa organização. Estes alunos já dominam o português. Mais importante do que estarem a aprender a mesma coisa, é terem uma experiência. Paralelamente, estamos a trabalhar com a UNESCO. No ano passado, quatro jovens foram para Lima, Chile, Camarões e Moçambique. Também estamos em conversações com a Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados para ver se é possível criar oportunidades para os residentes.

– E ao nível das outras frentes que mencionou?

S.C.F. – Em termos de advogados e médicos, já estamos a trabalhar com as associações para recolha de dados. Precisamos de conhecer os números para fazermos estatísticas. Ao nível dos técnicos, também temos programas. Há empresas que são maiores que o Governo. Em vez de ser sempre o Governo a gastar dinheiro e a criar cursos de formação, estas empresas podem criar estes cursos. A informação que temos é que já estão a fazê-lo.

– As políticas permitirão que Macau consiga os quadros que precisa?

S.C.F. – O que é importante agora não é apenas a qualificação ou a obtenção de um curso, mas também a certificação profissional. Com essa certificação, a experiência é reconhecida e os locais já podem ser promovidos. Se além disso, houver um reconhecimento duplo – em Macau e no Continente – há a possibilidade de trabalharem nos dois lados. O mundo fica maior. É uma aposta que estamos a fazer.

– As bolsas têm sido uma das apostas do Executivo como forma de incentivar os locais a investirem em formação.

S.C.F. – Ainda temos outro mecanismo de incentivo financeiro para fazerem cursos e depois realizarem uma prova profissional. Estamos numa fase piloto. Neste momento, oferecemos subsídios para as línguas: mandarim, chinês para estrangeiros, inglês e português. Pessoas de Macau que conseguem atingir o nível B2, ou acima, recebem mil patacas como prémio. O objetivo é incentivar os residentes a aprenderem línguas, mas também a fazerem o exame de certificação de maneira a comprovar que sabem o idioma. Daqui a uns anos, se ainda aqui estiver, e se me perguntar quantas pessoas falam português, já vou poder responder. Agora ninguém sabe. Até julho é um projeto piloto, mas depois temos o objetivo de o alargar a outras áreas.

– Se há tanta falta de quadros qualificados porquê a insistência em reduzir a contratação de mão-de-obra estrangeira?

S.C.F. – Temos de criar oportunidades para os locais que podem subir na carreira. São essas as pessoas que estamos a servir. Ao nível macro, temos de ter em atenção o desenvolvimento da cidade. Há falta de mão-de-obra. Temos uma grande oportunidade em termos de promoção dos locais nos níveis médio e alto. Agora se é possível preencher todas as vagas com as pessoas de Macau, isso já não é tão verdadeiro. Temos de ser mais pragmáticos. Ao mesmo tempo que temos de assegurar que os locais podem aceder a postos de níveis médio/alto, temos também de assegurar a estabilidade e o desenvolvimento de Macau, e é aí que entra a mão-de-obra importada.

– Num mundo cada vez mais global, em que as pessoas circulam, e numa cidade em que o desemprego é quase inexistente, continua a fazer sentido que haja o protecionismo de mão-de-obra local como há em Macau? 

S.C.F. – Temos de criar condições para os locais terem melhores empregos. Mas temos de ter não locais para assegurarem o desenvolvimento de Macau. As cidades vizinhas estão a competir em termos de recrutamento de quadros de alta qualidade. É uma coisa que temos de pensar em Macau. Agora, estamos a criar condições para os locais subirem e ocuparem os níveis mais altos, incluindo os residentes de Macau que estão fora. Procuramos atrair estes residentes para voltarem a Macau. De qualquer maneira, temos falta de mão-de-obra. Por isso, é preciso importar mão-de-obra não local para assegurar o desenvolvimento social e económico. E repare que não disse estrangeira, porque inclui pessoas que vêm do Continente. 

– Referiu que as cidades vizinhas estão a competir em termos de recrutamento de quadros de alto nível. As políticas são diferentes?

S.C.F. – Com base nas experiências das cidades vizinhas vemos que a política passa por “roubar” talentos através da concessão de benefícios, como o direito à residência, quando há investimento ou se faz investigação. Macau não tem esta política pró-ativa. Tem uma política mais passiva. Por exemplo, as empresas e pessoas com qualificação profissional podem pedir residência através do Instituto para a Promoção do Comércio e do Investimento de Macau. É uma medida passiva. Se possível, devíamos criar medidas pró-ativas semelhantes. É um tema que devíamos debater a um nível mais alargado. 

– Num estudo recente da Federação de Juventude de Macau concluía-se que os jovens locais se sentiam menos competitivos que os do Continente. Sente que há um sentimento de inferioridade?

S.C.F. – Não tenho essa perceção. Além de termos alunos nas melhores universidades do Continente que têm sucesso, há muitos que depois conseguem trabalhar em Pequim e Xangai, duas grandes cidades onde não é assim tão fácil entrar no mercado. Por outro lado, com a experiência da Comissão de Desenvolvimento de Talentos tenho contacto com muitos locais das áreas empresarial e da investigação científica. Posso dar um exemplo. Há semanas voltei a falar com uma colega do secundário, 30 anos depois, porque hoje é a vice-presidente da empresa Cisco Systems. Desde o ensino secundário que vive em Silicon Valley, nos EUA. Outro exemplo, é o de uma residente que convidámos para partilhar a sua experiência com as escolas. Terminou o doutoramento em Energia Nuclear e trabalhava no Japão. Agora vive em Paris. Shenzhen, Pequim entre outras cidades já a convidaram várias vezes e pagam-lhe milhares de patacas, mas ela quer ficar em Paris. 

– Não sente então que os jovens locais sejam menos competitivos?

S.C.F. – A competitividade dos jovens locais não é tão baixa. O que é importante é que tenham uma visão mais abrangente. Macau tem 30 km quadrados, é quase do tamanho de um campus universitário na China. Se um jovem só viver em Macau, sem experiências fora, é difícil ter coragem e auto-confiança depois. Portugal é um bom exemplo. Não é grande, mas o português é das línguas mais faladas do mundo e os portugueses estão por todo o lado, e não só em trabalhos de base mas também em altos cargos. O que é importante é que os jovens tenham essa vontade de conhecer o mundo.

– Macau tem apostado muito nas cooperações com instituições do ensino superior de fora. Estão previstos novos acordos, por exemplo com outras entidades de países de língua portuguesa?

S.C.F. – Celebrámos dois protocolos: com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e com o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos de Portugal. O objetivo é que todas as instituições portuguesas reconheçam o resultado do exame unificado que se faz em Macau. Assim os alunos locais podem aproveitar os resultados para prosseguirem os estudos em Portugal. Por outro lado, estamos a alargar o número de bolsas para os alunos de Macau fazerem cursos superiores e de pós-graduação em Portugal. 

– Ao nível da Subcomissão da Língua Portuguesa e Educação são conhecidos os resultados das reuniões. O que assinala no trabalho do organismo?

S.C.F. – Em termos de investigação, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal e o Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia de Macau, no ano passado, celebraram um protocolo de cooperação para o financiamento comum de investigações conjuntas que vai ter início em breve. Quanto à cooperação ao nível da língua portuguesa, há várias bolsas. Em outubro, vamos ter um fórum dos reitores em Macau. Em Portugal, sabemos que agora está na moda aprender mandarim, mas faltam professores. Podemos ter um papel nesta parte. 

– Há quem defenda que o português tem vindo a perder importância em Macau. Concorda?

S.C.F. – É a melhor fase do português nestas duas décadas. Muitas escolas secundárias estão a oferecer português como língua estrangeira, temos uma boa relação com todas as instituições de ensino superior portuguesas, facilitando o acesso dos alunos a essas escolas. O Governo central definiu Macau como plataforma e isso é importante. Um dos pontos importantes das novas economias, como Macau, é a criatividade cultural, que foi definida como prioridade pelo Governo. O número de alunos que aposta em áreas culturais, criativas e artísticas duplicou. Hoje há mais pessoas que falam português do que antes. 

– No entanto, há um investimento cada vez maior do Continente no português. Já são cerca de 40 as universidades com cursos de língua portuguesa. Como é que Macau pode competir com essa aposta?

S.C.F. – A maioria dos professores que lecionam os cursos de português das universidades chinesas são de Macau. A formação contínua dos professores de língua portuguesa em quase 90 por cento dessas universidades é realizada em Macau. Macau é um posto de formação de língua portuguesa na Ásia, principalmente para a China continental. Este é o papel que está a desempenhar. Depois de Portugal e Brasil, Macau é o território mais forte em termos de ensino do português. Temos mais de 80 professores de língua portuguesa com doutoramento. Na China, só há um ou dois.  

Catarina Brites Soares  11.05.2018

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