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“Almofada financeira é para ser usada”

Albano Martins critica a estrtaégia “conservadora” do governo para 2016. O PIB cairá este aquase 25 por cento e, para o ano, a projeção de receitas anda à volta de menos 30 por cento. A solução, diz o economista, seria um governo do superávit anual e enormes reservas financeiras “assumir o seu primemiro défice” e empurrar a recuperação económica com um orçamento mais ambicioso do lado da despesa. Há entretanto um novo instrumento político, um plano quinquenal que alinha objetivos estratégicos que merecem elogios. Mas as metas não estão sequer quantificadas, o que indica que não terá qualquer efeito no curto prazo.

 

Plataforma – As projeções financeiras apresentadas nas Linhas de Ação Governativa para 2016, prevêm uma quebra de receitas na ordem dos 30 por cento. Contudo, tradicionalmente o governo apresenta projeções de recita muito conservadores, que depois são largamente ultrapassadas…

Albano Martins – Essa deve ser a regra da elaboração dos orçamentos: a receita deve ser subestimada e a despesa supereestimada. É a técnica que tradicionalmentre se usa, para não ser apanhado desprevenido e se evitar o défice..

 

– Contudo, nos últimos anos não lhe paracem as projeções excessivamente conservadoras?

A.M. – Não foram excessivamente conservadoras; foram estupidamente conservadoras. Previram-se receitas sabendo de antemão que seriam realizadas a meio do ano.

 

– Há alguma vantagem nisso?

A.M. – Isso é errado, porque o governo fica sem visão de futuro, amarrado a uma projeção mal feita. Não pode haver erros tão colossais, quer na avaliação da receita quer na da despesa.

 

– Há quem diga que a explosão das receitas do jogo, na última década, foi tão anormal que não era possível prevê-la…

A.M. – Não quando se conhecia a tendência e se continuou com previsões tão conservadoras.

 

– Isso contribuiu para a falta de uma visão global do futuro?

A.M. – Há outra questão: a máquina administrativa é tecnicamente muito ineficiente. Tenho dúvidas, por exemplo, se a realização do Plano de Investimentos (PIDDA) não se faz porque não há vontade, ou porque a ineficiência é tal que a máquina paralisa. Como se consome o mesmo tempo a avaliar um projeto pequeno, ou um de biliões, se em vez de entrarem 20 entrarem 2 mil, tudo se arrasta para as calendas gregas. Devia haver um grupo muito pequeno, fora do processo normal de consulta, para decidir sobre as grandes obras.

 

– Há o Gabinete para o Desenvlvimento das Infraestruturas…

A.M. – Ainda existe, mas foi esvaziado. Mesmo no passado, havia um gabinete de coordenação de projetos onde a sua execução era coordenada, para que não se abrisse hoje um buraco e amanhã outro buraco, no mesmo sítio. Coisa que hoje não se consegue fazer.

 

– Voltando à projeção orçamental. Para 2016 o governo parace tentar colar-se à realidade. Uma de receitas superior a 30 por cento parace-lhe real?

A.M. – Parece. Mas ainda há um ajustamente de 17 mil milhões (2,07 mil milhões de dólares), que interpreto como uma medida contracionista. Se olharmos para o montante das receitas, estimada em 94 mil milhões de patacas (cerca de 11,47 mil milhões dólares); depois do agregado dos organizmos públicos, tudo somado dá mais de 120 mil milhões de patacas. Mas guardam uma almofada de 17 mil milhões.

 

– São receitas inferiores a 20 mil milhões de patacas (2,4 mil milhões de dólares) mensais, valor definido pelo governo como patamar de austeridade…

A.M. – A previsão de receitas é de 103 mil milhões de patacas (12,57 mil milhões de dólares) em 2016. E nada nos garante que seja melhores. Continuo a pensar que na indústria do jogo, que gera as receitas de Macau, há um limite absurdo no número de mesas de jogo, que não podem crescer mais de três por cento ao ano. Nesta fase, para além das medidas tomadas China – combate à corrpução – este é mais um fator que entope o crescimento da indúsria.

 

– Mas há casinos que declaram não usar em pleno sequer as mesas que já têm. Nâo faltam antes jogadores?

A.M. – Por alguma razão a Melco queria mais 400 mesas; e a Galaxy muito mais mesas. Porque são espaços de massas para compensar as quedas no jogo VIP.

 

– Sendo ainda mais contida a projeção da receita, que sinal isso dá aos mercados

A.M. – Aquele que não devia ser dado: as coisas vão ser complicadas. O governo devia enviar uma mensagem mais positiva; não ter receio do seu primeiro défice e estimular o mercado. Este ano o PIB vai contrarir entre 15 a 21, 22 por cento. E o Economist já fala em 25 por cento. O governo não tem a dimensão nem a capacidade do setor privado, mas devia assumir mais obras, ciar mais emprego público e estimular a procura interna. A despesa do governo é receita do setor privado.

 

– A Europa também debate a austeridade versus o investimento público em contraciclo, com a diferença que Macau não tem défice, tem superávit…

A.M. – Em clima expansionista o governo deve contrair-se; em clima retracionista, deve expandir. Mas nesta fase está a dar os sinais errados.

 

– A verdade é que a projeção de despesas aumenta 3,4 por cento. Não chega?

A.M. – Continuam a prever um saldo orçamental de 18 mil milhões de patacas (2,19 mil milhões de dólares). A almofada é muito grande e a não há audácia. E o plano estratégico quinquenal que lançaram agora o tem metas que não estão quantificadas. O plano está bem estruturado e bem pensado, mas só daqui a um ano vamos ver a quantificação dessas metas.

 

– Em que sentido é que ele está bem estruturado?

A. M. – Porque há sete grandes componentes, de facto, fundamentais. O problema é saber se quando forem compatibilizar as metas umas não vão contra outras. Quando se quantificar o objetivo da inflação, por exemplo, provavelmente entrará em rota de colisão com outras medidas entretanto tomadas.

 

Há uma nova conceção política, mas não há capacidade de a executar?

A. M. – No curto prazo não. Em vez de se assumirem objetivos concretos para a inflação, o investimento, ou a mão-de-obra… Dá-se cheque em branco e quer ouvir-se a opinião de toda a gente. É um erro estratégico e vai ser um desatre completo.

 

– Voltemos às projeções para 2016. Sendo a despesa mais ou menos similiar às de 2015, tudo será semelhante ou a aueda das receitas, que apenas afetem o fundo de reservas, terá um efeito psicológico na economia?

A. M. – O governo tem tido uma taxa de execução miserável no Plano de Investimentos. Estão previstos 11 mil milhões de patacas para 2016, (1,34 mil milhões de dólares) mas a taxa de execução continuar a ser tão pobre como tem sido, perde-se muito dinheiro que podia ser injetado na economia. Entretanto, o aumento anunciado para os funcionários públicos (2,5 por cento) devia ter sido alinhado pela inflação, que vai ficar abaixo dos cinco por cento. Não resolvia os problemas, porque esses só se resolvem quando a indústria do jogo estabilizar, ou quando houver alternativas, que não vai acontecer nos próximos 20 anos. Ninguém acredita nisso, a não ser que aconteça como indústria textil, que desapareceu. É a diversificação feita pela matança; e ninguém quer isso.

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– Preferia então ver um orçamento expansionista, com adéfice assumido?

A.M. – A almofada financeira do governo não é para ganhar humidade no baú. É para ser usada em períodos em que tem que ser utilizada e arrecadada em períodos em que é preciso esterelizar o dinheiro. Nesta altura tem de assumir o défice público, não se pode continuar a política do superávit. E isso não mudou. O governo acompanha o movimento da onda, quando devia tentar estancá-la. Há uma falta de cultura de política econíomica.

 

– E se houver uma melhor execução da despesa projetada?

A.M. – Ainda há essa hipótese teórica. No ano passado ficaram 10 mil milhões por executar, só na despesa projetada. Mais grave é plano de investimentos, que tem uma projeção sempre muito abaixo da projetada.

 

– É aí aqui que se pode reanimar a economia?

A.M. – As obras públicas reanimam a inciativa privada, criam postos de trabalho e mais rendimento. Mas também não há máquina administrativa para se lidar com grandes volumes de investimento, para se ser célere na decisão. Nems sequer para resolver pedidos de aberturas de resturantes, licenças de utilização de prédios ou pedidos de contratação de mão-de obra não residente… E isso tem muitos custos adicionais para as empresas.

 

– É possível mudar isso?

A.M. – Isso já está alinhado nos grandes objetivos da desburocratização do setor público. Volto a dizer: o plano está bem alinhado, mas falta-lhe a quantificação dos objetivos.

 

– Olha para esse plano quinquenal como um instrumento de esperança?

A.M. – Sabe-se o que se quer, mas não se sabe quanto se quer. Querem que as indústrias creativas reforcem o seu papel e que haja indicadores que consigam medir o peso dessas indústrias. Porque agora não há. Há apenas um indicador dado pela estatística e que demonstra que as coisas vão mal. Porque a maior parte das receitas no setor das convenções resulta de subsídios do Estado.

 

– Em linhas gerais, que sinais este documento dá à iniciativa privada?

A.M. – O bom sinal é que num documento de pouco mais de 20 páginas, muito mais simples do que um orçamento, percebe-se onde ser quer chegar. E isso para é muito importante a iniciativa privada.

 

– O governo assume um teto para as rendas no imobiliário, depois de muitos anos de inflação galopante. Ainda vai a tempo?

A.M. – É uma falsa questão, porque agora as rendas caiem; já não há teto. Se calhar alguém está interessado em que haja teto, para segurar um bocado a queda. O governo nem sequer tem uma estatística trimestral que mostre a evolução das rendas; logo, não pode atacar o proiblema, porque no fundo o ignora. Sabe que as rendas estão a descer, porque a lógica nos mostra que estão a descer.

 

– Em linha com a indústria do jogo?

A.M. – Claro. Quando a indústria cresceu, em 2002, estávamos exatamente no fim da queda do imobiliário, que já vinha de 1995. Astamos outra vez a mudar de ciclo e a queda do jogo arrasta a queda do imobiliário.

 

“Limitar o peso da indЬstria do jogo”

– Como é que a indústria do jogo deve interpretar as linhas gerais do plano quionquenal?

– A.M. – Este documento é muito claro ao querer limitar o peso da indústria do jogo e o seu peso. É importante que se criem alternativas ao jogo, mas não contra o jogo, que tem de continuar a crescer. Se os outros setores acompanham ou não a pedalada isso é outra questão.

 

– Mas o crescimento descontrolado do jogo trouxe muitos problemas: Inflação, canibalização de recusos, ect…

A.M. – Mas esses são os problemas o govermo tem de resolver. Agora, impedir uma indústria de crescer, apenas porque as outras não tem capacidade para o fazer à mesma velocidade é um erro estratégico.

 

– E a pressão que vem da China?

A.M. – É verdade que é imposto de fora. Mas é preciso perceber que o valor acrescentado e o consumo intermédio do jogo é brutal. Trinta e tal por cento das receitas são consumidos pelos serviços. Muita coisa é importada, mas é também o jogo que mantém a economia local a girar. O governo tem de perceber que não é apenas a receita, mas também de compra de produtos ao mercado interno.

 

– O problema é que a China quer menos peso do jogo na economia e quer cortar o fluxo de capitais que passava pelos casinos. Como pode Macau contrariar isso. Nergociando com Pequim?

A.M. – Já tivémos esse problema na década de 1990, quando a China fechou o fluxo de capitais e o nosso imobiliátio desapareceu do mapa.

 

– Como deve Macau reagir?

– A.M. – Deve melhorar a competência das suas equipa se as suas fontes de informação, de modo a detetar, de facto, o branqueamento de capitais. Há muito fundos que se retrairam e não têm nada a ver com o branqueamento. E isso está a ter efeitos negativos no jogo.

 

– Clareza no combate ao tráfico?

A.M. – Sim; e isso não é hoje muito claro.

 

– E facilitar o desenvolvimento do mercado de massas?

A.M. – É preciso dar-lhes mesas. Sem isso não conseguem.

 

– No contexto do combate à corrupção na China não haverá também alvos a abater em Macau?

A.M. – Se calhar não é conveniente alguns operadores terem o peso que têm na economia local. Mas há uma questão importante: a autonomia de Macau. Isto é uma país, dois sistemas.

 

– Mas o dinheiro vem do lado de lá da fronteira, se deixarem que ele saia…

A.M. – Temos de negociar com o primeiro sistema, ouvir as suas preocupações. Mas a política económica pertence a Macau e a situação é complexa. Deixou-se fazer uma segunda fase na strip do Cotai e os operadores de jogo todos investiram. Quando não era este o momento, nem o governo devia ter usado todos aqueles terrenos para mais se construirem casinos. Isso é que é o absurdo.

 

– A verdade é que as operadoras de jogo estão todas zona de lucro. E já acumularam muito na última década. Não há propriamente uma crise na indústria…

A.M. – É verdade. Mas estes novos investimentos vão todos os anos aparecer como custo e isso complica as coisas. Não se devia ter aceite investimentos tão brutais sem se resolver o teto dos três por cento das mesas. Temos que perceber que são esses grandes espaços que vão financiar a atividade não jogo. É por aí que as operadoras vão financiar a diversificação, que não será lucrativa durante muit tempo. Se se corta as pernas à indústria que trem meios para fazer isso, é tudo muito mais complicado. E abre-se a oportunidade para que o jogo comece a emergir em Singapura, na Coreia ou nas Filipinas.

27 de Novembro 2015

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