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Obras dos deuses

Guilherme Rego*

Quem vive em Macau já está habituado e conformado com o pesadelo das obras públicas. E tudo começa antes de sequer ser levantada a primeira pedra.

Em alguns dos projetos de planeamento urbano não se considera necessário haver consulta pública prévia.

O Governo cai no erro de assumir que sabe o que a população precisa ou quer. Noutras falham-se passos no processo de consulta pública, minimizando a importância desse serviço e do reconhecimento de uma participação pública ativa.

Pior ainda é quando a consulta pública é feita nos moldes corretos mas, por algum motivo, volta-se atrás e descarta-se alterações ou indicações que constavam no projeto.

Vemos esse exemplo na coluna “Voz do Deputado” desta edição, onde o deputado Lei Leong Wong se queixa do retrocesso na nova Biblioteca Central de Macau. Inicialmente contava com um parque de estacionamento de apoio, não havia qualquer oposição ao mesmo, mas agora o Governo decide, unilateralmente, que já não faz parte dos planos.

Esta semana foi recheada de novidades, surpresas agradáveis e desagradáveis.

Comecemos pelas boas notícias: novos parques desportivos e de lazer, revestidas de uma megalomania que é essencial para Macau se compatibilizar com as necessidades da população, e com os projetos semelhantes no resto da Grande Baía (serviços contam para a escolha do local de residência e trabalho).

Este tipo de projetos pedem-se há anos, porque as opções são poucas. Mas até aqui o modus operandi rasga o contrato social. Havia um desconhecimento geral destas novas instalações até serem anunciadas publicamente.

Nem mesmo na Assembleia Legislativa havia conhecimento, como também podemos ver nesta edição, na página 17.

Mais uma vez, cai-se no erro de assumir que se sabe o que a população quer…

Não coloco em causa a sua necessidade, porque é evidente que há falta de espaços desportivos e de lazer – foram sempre colocados em segundo plano.

Contudo, quem foi consultado? Houve adjudicação direta do design destas instalações? Quanto muito, tem de haver respeito pela gestão do erário público.

Há sensibilidade acrescida numa população que ainda recupera de uma pandemia, e gasta-se milhares de milhões em novos espaços urbanos. A estátua da Deusa Kun Iam em Coloane vai custar 42 milhões.

E o usufruto é, no mínimo, duvidoso. Na conferência de imprensa chegou-se a dizer que será um ponto turístico – um comentário infeliz, quando no NAPE isso não se vê, e não há dados que defendam esse argumento.

É, de facto, um reforço do perfil de Macau, do seu caráter distinto, mas a decisão deve ser legitimada com um parecer positivo do povo.

E o Governo tem, claro, direito de resposta, mas então que seja com base em dados. Porque uma cidade que quer entrar no futuro tem de tomar decisões com mais do que a intuição de alguns.

O PLATAFORMA já chegou a noticiar as consequências óbvias que este modus operandi tem na relação entre o Governo e a população que serve. Já muitos residentes perderam a fé nas consultas públicas, porque as opiniões não são respeitadas ou tidas em consideração.

É quase como uma “obrigação incómoda” para o Governo no cumprimento dos seus desígnios, mas que não conta no fim. Vê-se um pouco de tudo.

Infelizmente, numa cidade pequena onde o planeamento urbano não tem grande margem para falhas, cometem-se os mesmos erros vezes sem conta. O erro mais crasso, e constantemente apontado ao Governo, continua a ser a falta de transparência.

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