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O consultor do comércio sino-lusófono

Victoria Man

Políticas alfandegárias impedem Macau de ser preponderante no comércio sino-lusófono. Empresários não escondem as dificuldades, mas identificam as vantagens que podem conferir à cidade um papel mais ativo

Os primeiros meses do ano são ilustrativos daquilo que é a falta de capacidade de Macau para ser uma potência exportadora ou de reexportação dos produtos chineses para a Lusofonia.

O valor das exportações até maio atingiu 5.2 mil milhões de patacas (MOP). Deste valor, importa referir que a maioria atribui-se a reexportações da China (88 por cento). O valor da importação, por sua vez, foi quase 12 vezes maior, aproximadamente 59.8 mil milhões. Portanto, a balança comercial de Macau apresenta um défice de praticamente 54 mil milhões de MOP.

Das exportações, apenas 0,009 por cento segue para os Países de Língua Portuguesa (500 mil patacas).

No inverso da moeda, a Lusofonia tem maior peso nas necessidades de Macau, representando 10,8 por cento do valor importado pela cidade (647.7 milhões de patacas).

Olhando para a relevância comercial de Macau entre a China e a Lusofonia, percebe-se o quão longe a cidade está de ser uma plataforma de trocas. Até abril a China importou cerca de 74 mil milhões de patacas dos países lusófonos e exportou 49 mil milhões. Quer isto dizer que Macau, se fosse incluído na estatística nacional, seria responsável por apenas 0,0007 por cento das exportações chinesas para os PLP. Por outro lado, seria responsável por 1,3 por cento das importações lusófonas nos primeiros quatro meses do ano. Um valor que é relativamente baixo na conjuntura nacional, mas bastante mais significativo na importação do que na exportação.

Consultor bilateral

Heiman Sou, fundador da Sardinia Macau – uma empresa de comércio por grosso que aposta na importação de produtos criativos de Portugal para Macau, Hong Kong e China Continental – acredita que Macau tem vantagens para consumar no comércio sino-lusófono. “Macau tem um papel como especialista ou consultor dentro do comércio sino-português. Os residentes de Macau conhecem melhor a cultura portuguesa e muitos são fluentes em português”, diz ao PLATAFORMA.

Macau tem um papel como especialista ou consultor dentro do comércio sino-português. Os residentes de Macau conhecem melhor a cultura portuguesa e muitos são fuentes em português

Heiman Sou, Fundador da Sardinia Macau

O índice de confiança comercial também é mais elevado ao passar por Macau, aponta Sou. “Tem uma vantagem única, pois os fornecedores portugueses estão mais familiarizados com Macau e têm um maior grau de confiança na cidade.”

O empresário também vê em Macau um primeiro ponto de exposição dos produtos lusófonos para a China. Em setembro de 2022 fundou juntamente com o seu parceiro Asai Cheong o Mercado Lusófono do Albergue, para incentivar e auxiliar empresas especializadas em produtos de Países de Língua Portuguesa em Macau.

“Acho que os turistas do interior da China têm um grande interesse em produtos portugueses, especialmente souvenirs, pois são escassos na China”. Desde que a cidade reabriu fronteiras, no início de 2023, Sou já viu o seu volume de negócios a subir para 70 por cento dos níveis pré-pandémicos.

Tudo sem Macau

Gong Xiang Yang é um empresário natural de Wenzhou, em Zhejiang. Tem negócios em Portugal há 27 anos e é um interveniente de longa data nos negócios chineses de logística no país. “A comunidade de Wenzhou tem mais de 30 anos de história em Portugal”, refere, salientando também a influência desta comunidade no comércio bilateral.

“Hoje domina a exportação de mercadorias chinesas em Portugal.”

Entre janeiro e maio deste ano, a exportação de mercadorias de Zhejiang para Portugal atingiram 4.27 mil milhões de patacas – menos 2 por cento face ao período homólogo de 2022. As importações de Portugal para Zhejiang foram no valor de 717 milhões de patacas – um crescimento homólogo de 14 por cento face a 2022, segundo os Serviços da Alfândega da China.

No “Seminário Económico e Comercial da China (Zhejiang) em Portugal”, o embaixador da China em Portugal, Zhao Bentang, afirmou que Zhejiang está na “vanguarda” da cooperação económica e comercial sino-portuguesa e do intercâmbio entre os dois países. Mais recentemente, na ‘Sessão de Cooperação e Intercâmbio Económico e Comercial entre Zhejiang, Macau e os Países de Língua Portuguesa 2023’, o Chefe do Executivo da RAEM, Ho Iat Seng, apontou que Zhejiang e Macau têm bases sólidas de cooperação nas relações económicas e comerciais com o bloco lusófono.

Yang, que é também presidente da União dos Imigrantes Chineses em Portugal, confessa que nestes 27 anos nunca colaborou com empresas de Macau para os seus negócios em Portugal. Defende que os empresários preferem uma ligação direta com a fonte. “As empresas portuguesas normalmente precisam que as ajudemos a contactar diretamente com as fábricas na China. Como falamos mandarim, pedem-nos para perceber se a fábrica é de confiança”, comenta, sem deixar de destacar que a ligação histórica e cultural entre Macau e Portugal pode ser valiosa nos negócios entre a China e Portugal.

Mediador caro

Sou acredita que a importação dos produtos portugueses através de Macau não é uma opção viável, maioritariamente devido à burocracia no desalfandegamento e os custos logísticos elevados. Por outro lado, duvida da capacidade de Macau para exportar em grande quantidade para a China. “Muitos fornecedores de Países de Língua Portuguesa importam diretamente do local de origem para China. Os nossos produtos da marca Castelbel são importados diretamente do Porto para Xangai”, exemplifica.

O empresário destaca que Macau e a China Continental carecem ainda de algumas políticas preferenciais. Sou veria “uma enorme vantagem para Macau” se o desalfandegamento entre Macau e o interior da China para os Países de Língua Portuguesa fosse facilitado. Outras melhorias que sugere incluem “diminuir o tempo de quarentena de mercadorias e reduzir ou mesmo remover as taxas”.

As empresas portuguesas normalmente precisam que as ajudemos a contactar diretamente com as fábricas na China

Gong Xiang Yang, Presidente da União dos
Imigrantes Chineses em Portugal

Atualmente, a comunidade de Wenzhou foca-se principalmente na exportação de produtos chineses para Portugal, mas não na importação de produtos portugueses para a China.

É aqui que Sou acredita que Macau mais pode contribuir dentro do comércio sino-lusófono. Segundo o responsável, Zhejiang, que faz fronteira com Xangai, procura por produtos importados de alta qualidade e Sou tem aproveitado isso. Expandiu o seu negócio de Macau para Xangai e desde então tem importado diretamente para a China continental.

O caso da Vila do Conde

O sucesso das mercadorias chinesas em Portugal é recente. Na verdade, começa “a partir dos anos 90”, segundo Yang. “Eram uma novidade e acabaram por ser muito populares”.

A zona comercial da Varziela, em Vila do Conde, foi a escolhida pelos comerciantes chineses grossistas que se instalaram em Portugal, desde 1999. Muito graças ao espaço, capacidade de armazenamento e curta distância para o Porto de Leixões – a maior infraestrutura portuária da Região Norte de Portugal – e para o Norte de Espanha.

“Atualmente, há mais de 200 grossistas Chinesas em Varziela, mais de 80 por cento dos Chineses aqui são originários Zhejiang. Ao mesmo tempo mais de 80 por cento dos clientes aqui são Portugueses, seguidos de espanhóis.”

A pandemia, além de não ter limitado a rentabilidade daquele que foi “sempre um negócio lucrativo em Portugal”, como diz o empresário, também trouxe novas oportunidades.

“Durante os três anos de pandemia, devido às restrições de viagem, os portugueses não podiam viajar para a China. No entanto, nós que temos passaporte chinês fomos os únicos empreendedores a poder continuar as viagens de negócios para o país. Assim, com menos opções de mercadorias nas empresas portuguesas, as empresas chinesas, na verdade, acabaram por expandir a sua quota no mercado português”, salienta.

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Generalist media, focusing on the relationship between Portuguese-speaking countries and China.

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