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Concessões de jogo em Macau: favoritismo ameaçado

Tony Lai

Há consenso no que toca à atribuição das novas concessões até ao fim do ano. No entanto, apesar da situação parecer favorável às seis empresas que já operam em Macau, analistas afirmam que pode haver surpresas, dado o interesse de outras concorrentes e a influência que a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos pode ter no resultado

O novo surto de Covid-19 levou a que a cidade entrasse em “confinamento parcial” de 11 a 18 de julho. Estabelecimentos não essenciais vêem assim a sua atividade suspensa, incluindo os casinos. Não obstante, o vírus não trava o concurso para atribuição das concessões de jogo.

Lembrar que o prazo das atuais concessões foi prorrogado até ao fim do ano e que a alteração ao Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino foi aprovada em finais de junho, juntamente com as revisões feitas pelo Conselho Executivo à sua regulamentação administrativa. Esses fatores permitiram que o concurso para novas licenças desse início a 5 de julho, evidenciando a determinação do Governo de Macau em criar uma nova estrutura para a indústria do jogo antes do fim do ano.

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SEGUE JOGO

De acordo com um estudo recentemente publicado pelo banco de investimento J.P. Morgan, a eficiência do Conselho Executivo é “gratificante”, e prova que as autoridades estão empenhadas em tratar do processo de forma célere. Há 20 anos, após a liberalização do jogo, uma semana após a promulgação da lei deu-se início ao concurso, sendo que os resultados foram anunciados três meses depois. Por isso, o banco prevê que o processo comece já este mês ou o mais tardar em agosto, para depois serem anunciados os vencedores entre finais de outubro e inícios de novembro.

Académicos e analistas locais não acreditam que o Governo adie o processo apesar do atual surto. Alidad Tash, diretor-geral da 2NT8, empresa de consultoria na indústria do jogo, defende que “não haverá qualquer problema”, pois não vê obstáculos ao processo. “Apesar da seriedade da situação epidémica em Macau, grande parte do processo não precisa de ser feito pessoalmente”, explica ao PLATAFORMA.

Alidad Tash, diretor-geral da 2NT8

De acordo com o regulamento, há sete critérios para a adjudicação das concessões às concorrentes: O montante da parte variável do prémio proposto; os planos destinados à expansão dos mercados de clientes de países estrangeiros; a experiência na exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos ou em áreas relacionadas; o interesse para a região proveniente dos investimentos em projetos relacionados e não relacionados com o jogo; o plano de gestão dos casinos; a proposta de fiscalização e prevenção de atividades ilícitas nos casinos; e as responsabilidades sociais que pretendem assumir.

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Ricardo Siu, académico especializado em jogo e professor associado na Faculdade de Gestão de Empresas da Universidade de Macau, concorda com as alterações no processo, salientando que durante a discussão sobre a alteração à lei, o Governo partilhou as suas intenções quanto ao desenvolvimento da indústria que, por sinal, são muito diferentes do último concurso. “Há 20 anos atrás o foco principal era o desenvolvimento de infraestruturas, contudo, agora que esse objetivo foi praticamente atingido, a responsabilidade social das concessionárias e desenvolvimento de mercados estrangeiros é a prioridade”.

Ricardo Siu, académico especializado em jogo e professor associado na Faculdade de Gestão de Empresas da Universidade de Macau

A nova lei do jogo estabelece um número máximos de seis concessões, com a sua validade a ser reduzida de 20 para apenas 10 anos, podendo ainda ser prorrogada por mais três. Aprovada no fim de junho, as atuais concessionárias emitiram um comunicado onde declararam o seu apoio à lei, assim como a sua confiança no futuro desenvolvimento de Macau. Entre estas, a Sands China, Wynn Macau, SJM Resorts e Galaxy Entertainment deixaram clara a sua posição, expressando que vão “participar ativamente” no novo concurso.

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CONCORRÊNCIA ÀS ‘BIG SIX’

Embora o mercado espere que as seis empresas participem no concurso, há quem levante a possibilidade de serem concedidas menos de seis concessões. Alidad Tash afirma que depois da consulta pública de alteração à lei do jogo, “temos presenciado uma série de acontecimentos fora do comum, tal como a proposta de representantes do Governo nas concessionárias e limites à repartição de lucros”. Porém, diz que “muitas destas questões foram clarificadas” com a introdução de novas regulamentações. Espera, por isso, que não haja surpresas durante a próxima fase. “As seis empresas devem receber as suas licenças sem qualquer problema”.

Em 2001, quando se fez o primeiro concurso, o Governo aceitou 18 de um total de 21 licitações. Siu prevê que além das seis concessionárias, exista ainda uma “pequena concorrência”, não colocando de parte a possibilidade de competirem com as ‘big six’. No entanto, pensa que a probabilidade é baixa, especialmente considerando o impacto da pandemia sobre várias empresas estrangeiras da indústria.

O académico cita o exemplo do Genting Group, operador de resorts, cuja subsidiária, Genting Hong Kong, operadora de cruzeiros, declarou falência devido à falta de fundos, prevendo que o grupo se foque nas suas operações na Malásia, Singapura e Filipinas. Tendo em conta a situação económica local e no mundo, assim como a futura receita desta indústria, Siu acredita que as licenças das seis atuais concessionárias e subconcessionárias sejam renovadas. “É favorável para Macau deixar a poeira assentar”, defende.

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O impacto da pandemia e restrições governamentais trouxe uma queda anual de 46,4 por cento na receita bruta do jogo (26.269 milhões de patacas). Este resultado representa apenas 17,6 por cento da receita obtida no período pré-pandémico, em 2019.

Ben Lee, diretor-geral e fundador da iGamiX, empresa de consultoria na área do jogo, revela que “existem pelo menos mais três empresas interessadas” no concurso, apesar do seu interesse em Macau ter vindo a deteriorar. Isto deve-se ao facto de a nova lei exigir um capital social mínimo de cinco mil milhões de patacas e com a subida do imposto sobre a receita indireta do jogo para cinco por cento.

A revisão da lei mantém a taxa do imposto especial sobre o jogo em 35 por cento, no entanto, a taxa de imposto para financiamento de projetos culturais, educativos e para a segurança social subiu de quatro para cinco por cento. Caso a concessionária consiga atrair clientes fora do mercado chinês, o Chefe do Executivo poderá isentar este imposto de forma parcial ou total. Mesmo assim, o imposto especial sobre o jogo é bastante superior ao praticado nas regiões vizinhas, como por exemplo nas Filipinas, onde varia entre os 15 e os 25 por cento, e Singapura, com um máximo de 22 por cento.

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Ben Lee, diretor-geral e fundador da iGamiX

GUERRA COMERCIAL FRAGILIZA EMPRESAS

Ben Lee refere que a tensão entre a China e os Estados Unidos pode influenciar o novo concurso, lembrando que entre as seis grandes empresas, três têm capital norte-americano (Sands China, Wynn Macau e MGM China). Desde o início da guerra comercial entre as duas potências, em 2018, há quem acredite que essa circunstância crie dúvidas nos favoritos para as concessões de jogo. “As empresas com financiamento americano representam metade do mercado de jogo de Macau, longe daquilo que Pequim tinha em mente quando o iniciou. Acho muito provável que pelo menos uma destas concessionárias perca a sua licença durante o concurso”, reitera.

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Alidad Tash tem opinião diferente, defendendo que o conflito terá impacto limitado no concurso. O analista salienta que a tensão entre os dois países tem sido atenuada desde 2021, altura em que Joe Biden foi eleito Presidente dos Estados Unidos. Comparando com a fase de consulta pública da alteração à lei do jogo, que sofreu várias críticas, diz que este processo de licitação vai ser um “caminho fácil”, até “aborrecido”, em que as seis atuais concessionárias e subconcessionárias irão renovar sem qualquer problema.

“O atual do Governo da RAEM assume uma atitude pragmática. Em comparação com o início do seu mandato tem também assumido uma postura mais amigável em relação a estas seis grandes concessionárias. Nos últimos dois anos de pandemia, as empresas da indústria têm cooperado com o Governo e mantido uma relação saudável”.

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Em abril, respondendo a uma questão interpelada por um membro da Assembleia Legislativa de Macau, Ho Iat Seng afirmou que as seis empresas estavam a cumprir com a sua responsabilidade social. Apesar da pandemia ter reduzido consideravelmente o número de visitantes e ter havido casos de membros da indústria com licenças sem vencimento ou colocados a tempo parcial, ainda não foram realizados despedimentos em massa. “Acredito que a atitude do Governo na concessão destas licenças seguirá este princípio: desde que tenha trazido valor a Macau, a empresa será tratada com cortesia”, dita Tash.

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