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Cuidar da Ca(u)sa Comum

Bebiana CunhaBebiana Cunha*

O PAN agendou o seu VIII Congresso para o fim-de-semana em que se comemora o Dia Mundial do Ambiente. No nosso país, a legislação da proteção ambiental peca por dispersão e por falta de meios de fiscalização para o seu cumprimento, o que denota que o ambiente continua a ser uma mera bandeira que todos querem apenas agitar.

Os agentes estão muitas vezes demasiado distantes dos locais onde ocorrem os crimes, por vezes não têm meios para se deslocar ao local ou os instrumentos que necessitam para atuar. O número de Vigilantes de Natureza no ativo é reduzido. O trabalho desenvolvido por estes profissionais continua a ser pouco divulgado pelo Ministério e é pouco conhecido pelos portugueses, a quem não é alheia a escassez de efetivos existentes no nosso país. Basta ver que em toda a área do território espanhol existem mais de 7.000 Vigilantes da Natureza. Por comparação, deveríamos ter em Portugal 1.275 Vigilantes da Natureza, um valor muito distante dos 200 que existem atualmente em funções em todo o país. Em paralelo, temos casos paradigmáticos como o do PNSACV (Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina) com um plano de ordenamento em claro incumprimento e cujo relatório da IGAMAOT é conclusivo face ao que falta fazer. O que é lamentável é a falta de consequência política do Ministro do Ambiente, que nos faz pensar que estamos só a fazer de conta que temos ministro.

Neste aspeto, é importante lembrar que a ação dos cidadãos e das organizações não-governamentais tem sido fundamental e substitui-se muitas vezes ao Estado, alertando e denunciando para diversas situações e permitindo não só a entrada de avultadas receitas nos cofres do Estado, mas também a proteção de importante património natural, evitando a sua destruição, e contribuindo ainda para a melhoria da qualidade de vida das populações.

Em 2020, as mais de 12 mil denúncias enviadas à linha SOS Ambiente da GNR resultaram em 51 pessoas detidas, 18.884 autos de contraordenação e na deteção de 1.100 crimes.

Mas há obstáculos que, muitas vezes, desincentivam as pessoas a denunciar os crimes ambientais, bem como um outro aspeto que tem vindo a merecer atenção da nossa sociedade devido à ocorrência de casos mediáticos que envolvem denunciantes. Se Rui Pinto se tornou um rosto da ação cívica contra a corrupção, Arlindo Marques é o rosto do combate pela defesa do Rio Tejo, uma luta que lhe valeu uma ação judicial movida pela CelTejo, empresa que já tinha reconhecido publicamente ter ultrapassado os limites legais do controlo de efluentes lançados no Tejo. Valeu a Arlindo Marques a mobilização e pressão da sociedade civil que levou a CelTejo a retirar as acusações de difamação, mas não evitou um lamentável e intimidante processo de exposição na opinião pública.

Em 2016, o anúncio da realização de um festival de música junto à reserva do Estuário do Douro em Vila Nova de Gaia – onde a Câmara Municipal interveio dizimando o vale de São Paio, localizado imediatamente ao lado da Reserva Natural do Estuário do Douro (RNLED) – motivou a contestação de várias pessoas e organizações não governamentais do ambiente. As pessoas envolvidas nesta contestação chegaram a ser acusadas publicamente de terrorismo pela promotora do festival Marés Vivas (PEV), recolhendo o apoio do então Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. Algumas delas foram alvo de queixas-crime apresentadas pelo Presidente da Câmara Municipal, Eduardo Vítor Rodrigues.

Estes são apenas alguns exemplo de pessoas que tiveram de enfrentar a retaliação numa exposição pública que, por vezes, tem graves consequências para a sua vida e das suas famílias, razões pelas quais as Nações Unidas já se pronunciaram sobre este problema onde é referido que os Estados devem considerar a incorporação no seu sistema jurídico interno de medidas adequadas para assegurar a proteção contra qualquer tratamento injustificado de quem preste, às autoridades competentes, de boa fé e com base em suspeitas razoáveis, informações sobre quaisquer factos relativos a infrações e crimes. 

Os denunciantes de crimes ambientais e contra os animais têm de ser protegidos. Uma sociedade evoluída deve reconhecer e distinguir quem atua na defesa do interesse coletivo e público daqueles que não cumprem as regras e prejudicam a qualidade de vida das pessoas, a saúde pública e os valores naturais que sustentam a vida no nosso planeta.

Será fundamental assegurarmos a implementação de um sistema de proteção do denunciante ambicioso, que garanta que aqueles que protegem o Bem Comum não são entupidos em processos e perseguições que lhes prejudicam a vida de tal forma apenas com o objetivo de desmobilizar as pessoas de agirem civicamente. A comemoração do Dia Mundial do Ambiente não pode ser apenas uma forma de lembrar os problemas que continuam a ameaçar a sobrevivência da humanidade, mas deve servir também para que sejam implementadas políticas concretas que impeçam que isso aconteça. Acredito por isso que um grupo de pessoas comprometido com a Ca(u)sa Comum pode efetivamente contribuir para mudar as políticas e justificar que os dias temáticos existam. Do Congresso deste fim-de-semana sairão, com certeza, renovadas uma série de pessoas que farão do PAN um partido com um foco claramente ecocêntrico, alinhado com os princípios da ecologia profunda, que exigirão do governo políticas efetivas e não um mero agitar de bandeira.

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