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Falta pôr um cravo de Abril na “bazuca”

Nuno CarvalhoNuno Carvalho*
Nuno carvalho

A democracia conquistada com o “25 de Abril” se limita à existência de um sistema político. Os princípios de igualdade e equidade devem ser aplicados em diversas políticas públicas, particularmente num momento em que se aplicará uma das mais relevantes políticas públicas da história da nossa democracia: o Plano de Recuperação e Resiliência.

Para perceber o contexto de decisão deste plano é fundamental entender o atual quadro ideológico do PS por força do apoio parlamentar que tem procurado na manutenção do governo nestes últimos 5 anos.

O PS concebe a ideia do socialismo democrático como uma via para responder aos problemas do país. Como qualquer ideologia, esta pode merecer a concordância ou discordância. Contudo, o PS aceitou o comunismo ora trotskista, ora maoísta do BE e o inflexível marxismo-leninismo do PCP, quando, por regra, o socialismo democrático combate estas correntes ideológicas.

Pela primeira vez desde o PREC, tiveram influência sobre o poder executivo partidos que são contra a União Europeia, contra a moeda única e contra a Aliança Atlântica.

Eleitoralmente, o BE e o PCP esmorecem porque o Partido Socialista não se preocupou que a gerigonça pudesse ser um “submarino” marxista-leninista dentro do PS. Antes pelo contrário, deu a entender que o PS é um partido onde “cabe” toda a esquerda. Quem antes se via representado no PCP e BE pode agora ver-se também representado neste novo PS.

O efeito deste terramoto ideológico do PS é visível na ausência de reformas no país e na dimensão do Estado, porque não existe um fio condutor, uma ideologia socialista democrática. Não interessa melhor Estado, interessa mais Estado. Tal como Pedro Nuno Santos deixa transparecer na qualidade de futuro candidato a Secretário-Geral do PS.

Esta realidade é visível quando mais de 70% do Plano de Recuperação e Resiliência será consumido e o remanescente tem como destino o setor privado. O PIB contraiu 7,6% em 2020, sendo que a maior parte do 15,4 mil milhões de euros do PIB que perdemos se deve à quebra no consumo privado e exportações (especialmente no turismo). Ainda que o principal “empurrão” no crescimento de 2,2% do PIB no ano de 2019 tenha vindo das exportações, a receita do atual governo para recuperar a economia é apostar no consumo público.

Seria obviamente preferível dar prioridade aos setores mais produtivos da economia e “calibrar” a “bazuca europeia” para que o setor privado tivesse acesso a financiamento.

É evidente que existe produtividade para a economia nos dois setores, quer público, quer privado. Contudo, o plano do governo para aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência indicia que não serão feitas reformas, pelo menos relevantes, no Estado. Logo, é expectável menor eficácia nos resultados do dinheiro aplicado no setor público.

Dois terços da “bazuca” servirão para manter muito do funcionamento do Estado naquilo que tem de bom, mas com a ausência de reformas, manter-se-á também o que tem de mau.

Como a maior proporção da “bazuca europeia” será para incrementar a despesa no Estado, “enxuto” de reformas, o resultado será mais Estado e menos economia. Parece desenhar-se uma “maldição da abundância”, típica de economias cuja fonte de receita pública não é sustentável. Ou seja, a abundância de dinheiro que não é gerado pela economia nacional pode adormecer a competitividade do país, porque haverá dinheiro para sustentar os “vícios e defeitos” estruturais do Estado. Tudo isto combinado com a falta de vontade política do governo socialista para os resolver.

O governo não quer “mexer” no funcionamento do Estado porque seriam decisões políticas que, no imediato, gerariam descontentamento, ainda que fossem benéficas para o país.

Este cenário de desequilíbrio que deixa desprotegido o setor privado e permite revisitar a descrição de James Bovard sobre os desafios da Democracia: “a Democracia não pode ser o resultado de dois lobos e uma ovelha a votarem sobre o que será o jantar”. A questão é que ninguém pode ser “lobo” ou “ovelha”. Por isso mesmo, o princípio da igualdade e equidade no funcionamento de uma Democracia deve ser aplicado nas políticas públicas, algo que não está a acontecer com a “bazuca” (Plano de Recuperação e Resiliência)

*Deputado Partido Social Democrata português (PSD)

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