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Santo Tirso e Torre Bela: um país sem rei nem roque no que respeita à proteção animal

Inês de Sousa RealInês de Sousa Real*

Há cinco meses atrás, o país acordava para a tragédia de Santo Tirso: um incêndio que deflagrou na Serra da Agrela atingindo dois canis ilegais, do qual resultou a morte de cerca de 100 animais de companhia, não só porque as proprietárias do espaço não permitiram o resgate dos animais, como as autoridades presentes não promoveram o seu resgate e  impediram a população de o fazer, apesar da agonia em que os animais se encontravam.

Este trágico acontecimento pôs a descoberto muitas das fragilidades que persistem em matéria de proteção animal, e que vão desde a falta de formação das autoridades competentes, à ausência de uma fiscalização eficaz,  o problema dos abrigos ilegais, incluindo municipais,  que, um pouco por todo o país, alojam animais sem lhes garantir as devidas condições de bem-estar, a ausência de campanhas de esterilização como forma de controlo da população animal ou mesmo para a urgente necessidade de incluir os animais nos planos de proteção civil. 

2021 tem de revelar-se um ano de mudança em matéria de proteção animal. Um ano de maior respeito pela vida animal, senão por eles, por nós, sob pena de continuadamente termos uma anomalia em termos dos valores que nos devem nortear.

Apesar das denúncias feitas e do inquérito aberto para identificar responsabilidades, a Inspeção-Geral da Administração Interna incompreensivelmente arquivou o processo, afirmando “não haver indícios da prática de qualquer infração disciplinar por parte dos guardas da GNR e dos agentes da Proteção Civil no incêndio na serra da Agrela”. Curiosamente, já em julho, o Ministro da Administração Interna havia dito, antecipando o desfecho do processo de averiguações internas, que “não havia detectado nenhumas, quaisquer falhas”

A morte destes animais poderia – e devia – ter sido evitada se tivessem sido resgatados pelas autoridades, facultando o acesso aos abrigos às dezenas de pessoas que se prontificaram a salvá-los ou até solto os animais, dando-lhes uma hipótese de fuga.

Para além da responsabilidade das proprietárias do espaço, a omissão de socorro por parte das autoridades representa uma clara violação à lei de Proteção dos Animais, que prevê que os animais feridos ou em perigo devem ser socorridos e é ainda susceptível de, por omissão, configurar o crime contra animais de companhia previsto e punido pelo artigo 387.º do Código Penal, conforme tem defendido, por exemplo, Maria da Conceição Valdágua, insigne académica e especialista em Direito Penal.  

Este isentar de responsabilidades defrauda a confiança que devemos ter nas instituições e nos seus mecanismos internos e mais não é do que um “lavar de mãos como pilatos”. 

Não obstante alguns sinais de mudança que vamos observando na sociedade quanto à forma como devemos bem tratar os animais, parece existir ainda uma grande resistência por parte de algumas instituições, assim como de sucessivos Governos, em compreender que os animais devem ser respeitados e tratados com dignidade, ou que os seus interesses não podem subjugar-se sucessiva e reiteradamente aos interesses económicos e aos lobbys dos diferentes sectores. Exemplo disso, é a nova onda de choque que está a abalar as consciências dos portugueses, chocados com a violência gratuita decorrente daquilo foi um verdadeiro massacre de centenas de animais de grande porte na Herdade da Torre Bela em nome da instalação de uma Central Fotovoltaica, cujo processo de avaliação de impacte ambiental não se encontra sequer concluído. Uma “montaria” com a participação de 16 caçadores resultou na matança de 540 animais, entre os quais veados, gamos e javalis. Uma verdadeira chacina e um atentado contra a natureza à qual não podemos ficar indiferentes. Matar por regozijo e desporto é simplesmente desumano e é persistir num atraso  civilizacional injustificável. O setor da caça não pode continuar impunemente a dizimar espécies ou a poluir por conta do chumbo que deixam nos solos.

2020 fica pautado por importantes avanços em matéria de proteção animal, nomeadamente em sede de Orçamento do Estado, em que se conseguiu 10 milhões de euros para melhorar as condições dos Centros de Recolha Oficial e das instalações de associações zoófilas legalmente constituídas, ou a implementação da figura do Provedor do Animal. Mas, à luz dos dois casos acima mencionados, fica, infelizmente bem patente que tudo isto está ainda muito aquém das mudanças estruturais realmente necessárias nesta matéria. 2021 tem de revelar-se um ano de mudança em matéria de proteção animal. Um ano de maior respeito pela vida animal, senão por eles, por nós, sob pena de continuadamente termos uma anomalia em termos dos valores que nos devem nortear.

*Líder parlamentar do partido Pessoas Natureza Animais (PAN) – Portugal

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