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José E. Isaac – PALAVRAS E ATOS

Em regra, a questão do papel de Macau nas relações entre a China e os países lusófonos gera um amplo e fácil consenso. Todos concorrem em que ela constitui uma ocasião única para os agentes económicos e políticos de Macau, e que estes a deveriam aproveitar e desenvolver. Ninguém contesta que tal oportunidade pode constituir, igualmente, uma alavanca que promova a diversificação da economia e o desenvolvimento de novas competências locais. E é interpretada, consensualmente também, como um gesto de generosidade e clarividência das autoridades centrais pelo qual a Região deve estar grata. Nada disto é, na sua essência, contestável. Mas se este consenso é verdadeiro, igualmente se pode dizer, não indo mais além, que se revela também superficial e insuficiente.
Tal, em parte pelo menos, justificará a sensação que muitos exprimem de que os factos têm ficado aquém das expectativas criadas; de que os atos são curtos para as ambições declaradas; e de que os resultados são insuficientes para as promessas feitas ou implícitas. Tal não resulta, necessariamente, de culpas ou insuficiências atribuíveis a esta ou aquela instituição ou pessoa. Essencialmente, o que tal estado de coisas indicia é que o tema é mais complexo e exigente do que pode parecer a uma observador menos atento ou empenhado. E revela, isso sim, que tem faltado capacidade coletiva para o analisar nas suas várias dimensões com rigor; e, consequentemente, de ponderar as possibilidades de evolução efetivas com realismo. Isto é, o consenso geral sobre o tema não se materializou em metas e instrumentos concretos de execução, não se traduziu em iniciativas e ações específicas suficientemente congruentes para que possa falar de uma política bem definida e se possam medir e avaliar os seus resultados.
Vários fatores concorrem para que assim seja. Por um lado, é necessário definir objetivos e uma política que os sirva. Qual o tipo de papel de intermediação a que Macau ambiciona? Apenas o ponto de encontro? Um intermediário ativo? Um espaço de formação? Um prestador de serviços de negócios internacionais? Tal reflexão necessita de ser feita em paralelo com uma avaliação dos recursos, humanos e materiais, efetivamente disponíveis ou mobilizáveis, quer interna quer externamente. Depois é necessário integrar tudo isso num conjunto de medidas e objetivos que proporcionem um enquadramento apropriado para os diversos agentes públicos e privados a quem se dirijam os instrumentos de política que forem operacionalizados. Finalmente, é necessário garantir que as entidades a quem compita a sua execução estejam dotadas das competências necessárias, dos recursos adequados e dos apoios político e institucional exigíveis.
Por outro lado, é necessário estudar e acompanhar de perto as condições e evolução da economia e dos negócios dos diversos países abrangidos. Isto impõe um esforço de monitorização, análise e prospetiva para o qual não existe antecedente nem a administração parece especialmente vocacionada. Mas este não é tema para o qual baste um ou outro estudo avulso, antes requer um empenhamento continuado e especializado. Em primeiro lugar, a relação com os países lusófonos é apenas uma das múltiplas dimensões da política externa chinesa. Construir um nicho de Macau nessa realidade não se faz de boas intenções só, nem pode depender, a prazo, apenas da boa vontade das autoridades centrais. Macau tem que encontrar e definir ali a sua função e a sua voz. Em segundo lugar, os países lusófonos são um grupo muito heterogéneo – pela sua dimensão geográfica e económica, pelo seu peso do comércio internacional, na sua influência política, na forma como ali se organizam os negócios e estruturam as atividades empresariais. Consequentemente, o potencial de desenvolvimento bilateral de relações é extraordinariamente variado. Mas exige sempre um esforço de investimento no conhecimento da realidade e na montagem de redes de relações que suportem as políticas de cooperação e comércio com cada um daqueles países. Serão, assim, muito diversos os potenciais benefícios de tal investimento e é provável que daí resulte uma inevitável distorção que nem sempre casará bem com os objetivos políticos que também sustentam a relação com aqueles países.
Finalmente, existem e funcionam já canais de comunicação e comércio entre a China e aqueles países. O que Macau possa construir de funções e competências próprias terá que ponderar uma realidade já existente de relações que nuns casos serão insubstituíveis, noutros poderão ser redundantes e noutros mesmo conflituantes. Encontrar um espaço próprio nesse universo supõe alguma ousadia; mas não depende apenas do voluntarismo de alguns ou de consensos brandos. Requer empenho efetivo, determinação firme e apoios institucionais que precisam de ser criados, desenvolvidos e consolidados. Ora, não é óbvio quem possam ser os protagonistas desta batalha.
Do que fica dito se pode retirar que as palavras e incentivos são importantes, mas não suficientes. Não se questiona que esta é uma matéria de interesse para a Região e para o seu desenvolvimento. Mas entre as palavras e os atos exige-se uma reflexão e um debate que estão ainda por fazer, e para os quais este espaço visa contribuir.

José I. Duarte
Economista e professor universitário

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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