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FUGIR À DEPENDÊNCIA DO PETRÓLEO

José Eduardo do Santos reconhece que está há “demasiado tempo no poder”, mas antes de sair quer que Angola tenha uma economia mais diversificada e moderna.

Para um país que está em paz há 12 anos e onde tudo gira à volta da extração de petróleo, os caminhos para uma sociedade sem a dependência do crude prometem ser espinhosos, principalmente porque depois de 30 anos de guerra civil, o Governo tem dificuldades em expurgar alguns dos malefícios do “ouro negro”.
A contradição é evidente: como pode ser Luanda a cidade mais cara do mundo e, ao mesmo tempo, o país necessitar das infraestruturas mais básicas de uma sociedade em desenvolvimento?
A resposta está no petróleo, para o bem e para o mal. A indústria extrativa de crude, os “gigantes” petrolíferos e a necessidade de importar mais de 90% daquilo que consome, torna Angola num país caro. Esta é uma situação que os angolanos não querem, e o Presidente José Eduardo dos Santos colocou em marcha um Plano Nacional de Desenvolvimento, entre 2013 e 2017, com o objetivo de reduzir a dependência económica de Angola em relação ao petróleo e diversificar a economia para outros setores.
Existem razões profundas para um iogurte custar quase um dólar e meio e o salário mínimo andar entre os 11 mil kwanzas (113 dólares americanos) e os 17,7 mil kwanzas (181 dólares), dependendo dos setores de atividade.
Valores que não chegam para a compra dos produtos básicos durante um mês. Quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) entrou em Angola, em 2009, devido à crise financeira internacional, que levou o preço do barril de petróleo para mínimos históricos, o Governo de José Eduardo dos Santos foi obrigado a tomar medidas para conter uma explosão social.
O FMI pediu contas, transparência e modernidade, obrigando o Executivo angolano a atuar principalmente no funcionamento do Estado e no sistema financeiro. Dois pilares que podem alavancar a sociedade angolana para um outro patamar e que, até ao momento, fizeram grandes progressos, embora ainda muito longe daquilo que poderá ser aceitável.
A “gasosa”, palavra angolana para suborno ou troca de favores, está presente desde o arrumador de carros, passando pela polícia, até aos mais altos setores da sociedade. Por incrível que pareça, é a “gasosa” que faz avançar as coisas, mas também provoca choques evidentes na economia e é uma das principais razões por que tudo é caro em Luanda.
O FMI abandona o país este ano, depois de cumprido o programa de assistência que passou, por exemplo, pela modernização da banca e pela transparência das contas públicas. Deram-se passos importantes nestas matérias: o Banco Nacional de Angola introduziu uma nova lei cambial com vista à desdolarização da economia, obrigando as petrolíferas a pagarem em kwanzas aos fornecedores locais, e o Governo passou a apresentar anualmente a Conta Geral do Estado, essencial para os cidadãos saberem onde e como se gastam os dinheiros públicos.
Osvaldo Victorino João, economista do FMI no escritório de representação em Angola, diz que o fantasma de uma crise petrolífera não está ainda afastado. Para além da crise ucraniana, existe “uma redução da procura global e as novas descobertas de petróleo nos Estados Unidos levarão à redução do preço do petróleo nos próximos anos”. O programa do FMI, segundo Osvaldo Victorino João, teve como objetivo “restaurar a estabilidade macroeconómica”, aumentando assim a sua “credibilidade internacional”.
As perspetivas de evolução da economia são animadoras para os próximos anos, mas não tão otimistas como as que projeta o Governo. Contra a estimativa oficial de 8,8% de crescimento, o relatório de Primavera do FMI corta as previsões para 5,3%, manifestando ainda preocupação com o regresso de Angola ao défice orçamental e defendendo o fim dos subsídios aos combustíveis.
Uma das medidas fundamentais para se conseguir “poupar” para os tempos de dificuldade, caso haja uma crise petrolífera, foi a criação do Fundo Soberano de Angola – com um capital inicial de cinco mil milhões de dólares – através do qual parte das receitas do petróleo são reinvestidas em infraestruturas e outros projetos tendentes a diversificar a economia angolana.
A nomeação de José Filomeno dos Santos, filho de José Eduardo dos Santos, para liderar o Fundo Soberano provocou duras críticas por parte da oposição política e de membros da sociedade civil, que a denunciaram como um caso de nepotismo e com riscos de corrupção. Mesmo o FMI, que não se pronunciou sobre a nomeação, defendeu a “necessidade de clarificar os objetivos” do fundo e garantir “uma responsabilização efetiva e transparente”.

SUCESSÃO NA AGENDA

A oposição espera que em 2017, altura em que Angola volta às urnas, o atual presidente não se apresente como candidato. Aliás, o tema da sucessão foi colocado na agenda pelo próprio José Eduardo dos Santos, que dirige o país desde 1979. Está há “demasiado tempo no poder”, disse o próprio numa entrevista dada à televisão brasileira Bandeirantes, durante a qual abriu a porta a “diversos cenários” no seio do seu partido.
O Movimento Popular de Libertação de Angola está a “ensaiar vários modelos” sobre a forma como a transição deverá ser feita.
“Se é feita primeiro a nível do Estado, se é feita primeiro a nível do partido, se se faz de uma vez, (…) enfim estamos a estudar”, referiu, acrescentando que “pode levar o seu tempo, tendo sempre em conta que é preciso manter a estabilidade”.
Quando Eduardo do Santos nomeou Manuel Vicente para a vice-presidência do país, houve nas estruturas do MPLA alguma polémica, já que este gesto foi visto como a escolha do Presidente para a sua sucessão nas eleições de 2017. Alguns setores, principalmente os históricos, referem que o principal entrave de Manuel Vicente é a falta do passado de militância partidária de Manuel Vicente, situação que só se resolverá mais perto das eleições.
O principal partido da oposição, a UNITA, liderado por Isaías Samakuva, espera que o eventual fim de ciclo de Eduardo dos Santos lhe garanta uma votação mais favorável em 2017. E rejeita que o país possa passar por uma crise. Recentemente, José Eduardo dos Santos reuniu-se com o líder da UNITA – algo que não acontecia há três anos – para “um novo pacto social para Angola”. Na altura, Samakuva entregou um memorando ao Presidente no qual lamenta “a situação socio-económica” em Angola que segundo a UNITA, “tem-se vindo a degradar”.
Quem corre por fora é o presidente da CASA-CE, Abel Chivukuvuku, dissidente da UNITA e que tem feito uma oposição mais focada nas debilidades das instituições. “Todas as instituições da República, digo todas e sem excepção, embora algumas mais do que outras, revelam-se sem convicções democráticas e sem vontade política de assumirem na prática os valores e princípios de um verdadeiro Estado Democrático e de Direito”, disse o líder da CASA-CE.

António José Gouveia

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