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Ordens para expropriação de terras partem de Luanda ignorando populações – ONG

A coordenadora de projetos e programas da Associação Construindo Comunidades (ACC) disse ontem, em Luanda, que as ordens para a expropriação de terras partem de entidades do Governo angolano, na capital, para os administradores locais, ignorando as populações.

Cecília Capassi, que falava no encontro sobre o “Acesso à Terra: Um Direito Humano Adiado”, organizado pelo Mosaiko – Instituto para a Cidadania, para assinalar o Dia Mundial da Terra, afirmou que as ordens para expropriação são dadas aos administradores a partir de Luanda, “via telefone”.

“Administrador, aquela terra está cedida. Se tem pessoas, se não tem, se tem lavras, se tem cemitério, ele nunca lá foi e vai ser ocupada à força”, relatou Cecília Capassi, acrescentando que “o administrador é ponto focal das entidades do Governo central de Luanda para as ocupações”.

“Ocupações para general, para os governos provinciais, para os ministros e quiçá para o próprio Presidente [da República] e das multinacionais, que não estão de fora. Logo, o soba perdeu a sua autoridade tradicional, porque ele é subordinado do administrador”, referiu.

A coordenadora da ACC descreveu ainda a situação dos aliciamentos que ocorrem da parte dos “ocupantes, o ponta de lança do ocupante”, que através de alguns bens – “um vinho, uma bicicleta, açúcar” – aliciam os sobas.

“Um milhão e 500 [kwanzas, 1.123 euros] como estão a fazer em Quilengues (província da Huíla), na ocupação de 44 quilómetros quadrados. Destruíram acima de 200 quimbos, sem indemnização. Um milhão e 500 não indemniza a terra que tem lavras”, referiu.

Sobre a perspetiva jurídico-legal, o coordenador da Rede Terras, Bernardo Castro, disse que Angola possui normas para objetivos políticos e não uma gestão fundiária na prática.

“A nossa legislação fundiária não é perfeita obviamente, mas o maior problema está na governação fundiária, é aqui onde está o maior défice, porque nós não temos nenhuma política voltada às questões de terra, em matéria de gestão, não existe, ou seja, temos normas para objetivos políticos”, disse Bernardo Castro.

Bernardo Castro defendeu a necessidade de se melhorarem os procedimentos, por exemplo, no que diz respeito ao mecanismo de consulta para a concessão de terras.

Segundo Bernardo Castro, atualmente a administração ou o órgão concedente envia a pessoa interessada para falar com os sobas, dando abertura para o aliciamento das autoridades tradicionais. Outro problema identificado, prosseguiu Bernardo Castro, está ligado ao cadastro fundiário, que carece de uma regulamentação específica.

Considerando “muito grave” a “dispersão do cadastro fundiário no país”, Castro salientou que, neste “preciso momento, o Governo angolano não tem uma base documental em matéria de gestão fundiária com dados credíveis”. “Não existe isso, e, quando há esta dispersão, há sobreposição de direitos, porque forjam-se os documentos também”, referiu.

Bernardo Castro defendeu a necessidade de se melhorarem os procedimentos, por exemplo, no que diz respeito ao mecanismo de consulta para a concessão de terras.

O responsável salientou que, em 2014, existiu uma recomendação urgente do executivo para conformar a legislação fundiária de 2004 à Constituição de 2010.

“Esta é uma questão de lei, nós estamos num quadro em que há vários interesses, a terra virou um grande negócio, de tal forma que já falamos em máfia fundiária no país, ou seja, pessoas singulares ou coletivas que podem influenciar a decisão relativa às questões de boa governação em matéria de terras”, frisou.

Em declarações à imprensa, o diretor-geral do Mosaiko, frei Júlio Candeeiro, referiu que Angola está cheia de exemplos em que a comunidade não é informada atempadamente e nem envolvida nos processos de decisão, ficando depois a saber que são negócios privados e “não há realmente um interesse público explícito”.

Plataforma com Lusa

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