Início » Economia, segurança e patriotismo

Economia, segurança e patriotismo

Paulo Rego*

A receita do jogo, que este ano rondará 180 mil milhões de patacas, ultrapassa em muito a projeção avançada pelo Executivo no início do ano: 130 mil milhões. Está longe de ser o melhor resultado de sempre, mas é claramente positivo para as circunstâncias, passado apenas um ano da reabertura das fronteiras. Mas também é verdade que a recuperação não é para todos e que o foco do Governo no controlo de custos complica a vida à maioria dos prestadores de serviços não relacionados com o jogo.

Após três anos de paralisia forçada, durante os quais a saúde das pessoas e a narrativa ideológica tomaram conta do espaço político e mediático, em toda a China, este foi o ano em que foi possível recuperar o foco na Economia. Mas não necessariamente por contraposição a outras realidades políticas. O Covid acelerou a conversão do discurso oficial numa cartilha patriótica e securitária que, tendo o vírus e o inimigo externo como cola nacionalista, perderiam teoricamente força a partir do momento em que a recuperação económica precisa também da globalização e das relações internacionais. Mas não é bem isso que se verifica na prática.

A questão, em Macau, tem contornos muito particulares, e ainda mais difíceis de aceitar. Primeiro, porque simplesmente não existem problemas de segurança, no sentido na longevidade do regime ou da obediência às orientações da Mãe Pátria. Razão pela qual cada vez menos se entende onde se vislumbra a necessidade de impor essa sombra no horizonte.

A viagem oficial Ho Iat Seng a Lisboa, em abril, parecia ter anunciado o regresso a uma era de ambição externa e de reafirmação do projeto lusófono, com prioridade para as relações sino-portuguesas. Apesar da importância dessa viagem; por ter sido a primeira de Ho Iat Seng ao exterior, por ter tido Portugal como destino, e por ter sido feita no contexto pós-Covid… o ano acaba sem que esses sinais ganhem credibilidade e dimensão. Não houve qualquer passo estratégico complementar a essa viagem, nem outras estão anunciadas que permitam vislumbrar qualquer rasgo internacional lusófono.

O ano acaba aliás com uma ida do Chefe do Executivo a Pequim, que é muito esclarecedora do ponto de vista da prioridade interna. Primeiro, porque esse encontro com Xi Jinping permitiu a Ho Iat Seng, pela primeira vez, ensaiar um discurso que ultrapassa o horizonte do seu primeiro mandato, como quem pré-anuncia um segundo. Mas também porque a obsessão pela Lei de Segurança Nacional e pelas juras patrióticas, durante os encontros oficiais em Pequim, deixam muito claro que o regime continua a privilegiar um discurso mais virado para dentro do que para fora. Isto, apesar de vários discursos duais – ou contraditórios, conforme a perspetiva.

A mesma dúvida põe-se quando se promove a diversificação económica, ao mesmo tempo entregando aos casinos cada vez mais responsabilidades sociais e culturais. Ou quando se tenta provar que o Segundo Sistema é seguro e evoluído, desde que se vergue ao Primeiro. É impossível vender a diferença para a China, se a copiamos de forma servil; o ADN de Macau não existe na Grande Baía, porque se resiste a deixar de ser passivo; não se entende, de todo, uma porta aberta ao mundo, com o qual parece que não nos queremos dar…

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

Tags: Paulo Rego

Contact Us

Generalist media, focusing on the relationship between Portuguese-speaking countries and China.

Plataforma Studio

Newsletter

Subscribe Plataforma Newsletter to keep up with everything!