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A pequena normalidade

Está a chegar ao fim o primeiro ano de recuperação pós-Covid. E os dados económicos são claros: a recuperação está feita; não ao nível de uma Meca desenfreada de jogo, mas em zona de lucro para os operadores, e respetiva receita fiscal para funcionamento do Estado. Mas o que é também evidente é que o estado das contas continua a depender das receitas de jogo. Sobre o passo seguinte; muito pouco, ou nada.

Recorde-se, mais uma vez: diversificação económica, com modernização tecnológica, sofisticação na saúde, na educação, no multilinguismo… Integração regional, com projeto de afirmação na Grande Baía; e projeto lusófono, com difusão de redes de serviço, de intermediação e de investimento. Foi tudo assim explicado, há muito tempo; o destino de Macau, como era descrito ainda antes da transição de poderes. É cedo, para ter sido esquecido; ou melhor, é tarde, para continuar adiado. A narrativa é antiga; e o mesmo discurso continua a vingar, sempre em contradição com a prática.

O que a realidade hoje nos mostra é uma massa crítica minguante, a roçar os mínimos; uma elite cada vez mais conservadora e fechada; um ambiente cada vez mais hostil para pequenas e médias empresas. Neste cenário, o que faz o Estado? Corta subsídios e apoios, reduz despesa, contrata menos serviços e paga menos por eles. É o Estado das contas certas, como é agora moda também no Ocidente. Mas não é, de facto, uma estratégia que promova diversificação e crescimento.

Quanto ao plano internacional, é verdade que até criou algumas redes de negócio e de conhecimento bem estabelecidas: académicas, bancárias, jurídicas, e até de comunicação – para citar as mais óbvias. Não se vê, contudo, qualquer impulso sério ou perspetivas de uma mudança de paradigma que possam verdadeiramente alterar o perfil da oferta de empregos ou o volume de negócios nesta área. Já os constrangimentos políticos, esses, são mais que óbvios. Uns por dificuldades próprias do sistema, outros por força do perfil dos protagonistas, avessos ao contacto externo; e agora os bloqueios externos à expansão chinesa – que afetam o papel de Macau como hub, ou mediador.

Não é um mundo brilhante, este que Ho Iat Seng conduz a caminho do final de mandato. Não é que dele se esperasse grande rasgo na mudança; ou que fosse dele a missão virar o mundo ao avesso. Não seria justo cobrar-lhe isso. Mas a urgência de tanta coisa, que continua por acontecer, torna mais grave cada prolongamento.

Este também não foi, decisivamente, um grande ciclo de liberdades. Nem no seio da Administração Pública, cada vez mais hierarquizada, e atada; nem na sociedade civil em geral, cada vez mais calada e defensiva. E esse mau ambiente também acelerou depois do Covid, como se toda a gente se tivesse habituado a um estado definitivo de exceção.

Não se pode fazer grande festa; não é esse o espírito do tempo em Macau. Nem tudo é mau e, de facto, não se erguem fantasmas como os do desemprego, ou da carga fiscal para salvar as contas do estado. Mas há quase todas as outras contas e acertar; e muito pouca vontade de o fazer. Olhando para daqui a dez anos… muita coisa tem de ser muito melhor – ou vai ser mesmo muito pior.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

Tags: Paulo Rego

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