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O abismo das verdades

Paulo Rego*

Na década de 1960, a física quântica mostrou-nos, ao microscópio, coisas que ainda hoje nos damos ao luxo de provar serem impossíveis. Estão lá, mas apenas sabemos negá-las. Agora, ao macroscópio, a gravidade e a massa negra sugerem-nos que este universo, que vemos iluminado, pode não ser mais que um buraco negro. Há poesia platónica em conhecer a ignorância; mas o Homem que somos hoje prefere a mania de grandeza, como se fosse maior que o Planeta; radicaliza as convicções, como se a cegueira fosse um pecado do outro; implode a ética relacional, à beira do precipício. À guerra na Ucrânia – farol irracional – junta-se a do Médio Oriente, que parte aos bocados um mundo cada vez mais heraclitiano: a guerra é o pai de todas as coisas. Besta ideia, esta, de abraçar a estupidez.

As cavernas em que nos metemos fazem parte do processo. Não é a primeira – não será a última. Mas é novo este vício da verdade na boca; seja ele curta, ou completamente falsa. Como se não fosse óbvio que a verdade de uns é diferente da dos outros; ou que a verdade de hoje muda sempre amanhã… Também é verdade que há luz no processo. Há gente, de tempos a tempos, que põe ordem no caos e ganha o futuro.

Precisamos de umas dúzias de pessoas com poder, visão e dedicação, que saibam e queiram mudar o mundo. Em Pequim, Washington, Bruxelas, Moscovo, Jerusalém… na ciência, nas artes, na comunicação, na psiquiatria… urgem intuições que não se imponham pela força, que respeitem a diferença e vejam o bem comum. Este imperativo ético, monolítico, que abala gerações, redes sociais, bastidores políticos, ego militar… tem de ganhar juízo.

Não sei o caminho. Mas sinto que é hoje mais difícil encontrá-lo do que alguma vez foi desde a Segunda Grande Guerra. Faço dessa intuição a prova não científica de que é mesmo preciso mudar. De mentalidade; visão; e ação. Se em cada fim de ciclo há uma nova oportunidade em frente, vejo tudo a andar para trás, na essência das premissas que é preciso recuperar. Não vejo os sinais que saberia reconhecer, nem guias capazes e fiáveis. Espero, sinceramente, não ter razão. Mas é pura ilusão pensar que vai correr bem. Assim… não vai.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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