Início » Diversificação repete intenções e omite como lá chegar

Diversificação repete intenções e omite como lá chegar

Vários analistas, consultados pelo PLATAFORMA, concordam com o rumo do Governo no novo plano de diversificação económica, ao reduzir o peso do jogo na economia local. No entanto, há críticas à falta de detalhes concretos, e ao foco em indústrias em reduzido estágio de desenvolvimento. Por fim, alertam para a falta de envolvimento das PMEs locais

Nelson Moura

No plano para o período 2024-2028, as autoridades reafirmam a meta de aumentar o peso das indústrias não jogo na economia local para 60 por cento do PIB. Este esforço de diversificação deve estar alicerçado no desenvolvimento de setores como a medicina tradicional chinesa, como” lá chegar, tecnologia de ponta, e mercado MICE (estratégia 1 + 4).

Jacky Yuk-chow So, reitor e professor catedrático da Escola de Negócios da Universidade de Ciência e Tecnologia, considera óbvio que a “diversificação da indústria do jogo é urgente e necessária”, depois da pandemia de Covid-19 ter cortado quase para metade o PIB local. A questão, conclui, “é saber como” lá chegar. “A estratégia 1+4 é um bom primeiro passo. O objetivo de gerar 60 por cento do PIB a partir de indústrias não relacionadas com o jogo, até 2028, empregando 80 por cento da população, conquistando mercados internacionais, etc; parece acertado”, conclui. Contudo, pergunta-se: “Será isto apoiado por teorias económicas ou financeiras? Como será possível alcançar estes objetivos?”.

Durante a apresentação do plano, o secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong revelou também que as seis operadoras de jogo já submeteram os seus planos para projetos não relacionados com o jogo, em 2024. Não foram ainda publicamente revelados; mas apenas ao Governo, em setembro. A posição oficial deve ser tomada até ao final deste mês de novembro – o prazo legal é de 60 dias.

Lei Wai Nong frisou que o Governo assumiria apenas o papel de “guia”, cabendo ao mercado a iniciativa. Atitude, essa, elogiada pelo economista. Porque, apesar de decisões executivas importantes como a expansão do aeroporto internacional, ou “forçar” as operadoras de jogo a oferecerem programas não relacionados com o jogo, a abordagem administrativa “tem os seus limites”.

O plano indica que as obras de ampliação do Aeroporto terão início no segundo semestre de 2024, prevendo-se que sejam concluídas em 2030. A capacidade aeroportuária deve aumentar para 13 milhões de passageiros – ano.

“As forças de mercado são muito mais importantes. Por outras palavras, Macau precisa tanto de uma abordagem económica centrada na procura como na oferta. Esta última deve vir de pesquisas de mercado para identificar as necessidades e preferências dos turistas”, alerta So.

Nicky Leong, especialista em interações entre Turismo e comunidades locais, realça ao PLATAFORMA a ausência de “informações detalhadas sobre cada iniciativa” traçada no plano: “Não apresenta ideias substanciais que o diferenciem das demais e mostrem inovação. Além disso, o plano deve incluir previsões para cada subcategoria, delineando os ganhos económicos resultantes da diversificação e garantindo sustentabilidade a longo prazo”. Leong conclui: “Falta clareza sobre como o plano pretende alcançar uma economia sustentável, além de simplesmente implementar as iniciativas. Embora mostre potencial, é crucial que o plano avalie a prontidão de cada infraestrutura e o apoio necessário.”

As forças de mercado são muito mais importantes (…) Macau precisa tanto de uma abordagem económica centrada na procura como na oferta

Jacky Yuk-chow So, vice-reitor da Escola de Negócios da Universidade de Ciência e Tecnologia

Jogo sempre presente

Entre vários indicadores gerais, as autoridades querem que a percentagem do emprego não relacionado com o jogo se fixe em cerca de 80 por cento. Sem avançar valores concretos, o plano aponta também para que no final de 2028 o grau de dependência das receitas correntes em relação às do jogo seja mais baixa, face ao registado em 2019: 84,6 por cento.

O deputado Ron Lam U Tou, em declarações ao PLATAFORMA, considera que, “apesar das boas intenções, na realidade é de esperar que, pelo menos até 2028, o jogo continue a ser a principal indústria da RAEM, com o Turismo e o MICE como principais indústrias secundárias”. Lam criticou ainda o Governo por “não revelar os planos de diversificação submetidos pelas concessionárias”. Bem como o foco excessivo dado a indústrias que se encontram ainda ‘pela rama’. “É preciso dizer honestamente que muitas indústrias, incluindo a medicina tradicional chinesa, as finanças, e alta tecnologia, não estão realmente bem estabelecidas, pelo que levará bastante tempo a desenvolvê-las”, remata o deputado.

Um dos objetivos chave descritos no plano inclui assegurar que o peso do setor financeiro no PIB cresça acima dos 10 por cento. E que o seu valor acrescentado supere os atuais 37.96 mil milhões de patacas. Quanto às tecnologias de ponta, até 2028 o Governo pretende um mínimo de 40 empresas certificadas, com cinco mil milhões de patacas alocadas à investigação científica.

[O plano] não apresenta ideias substanciais que o diferenciem das demais e mostrem inovação

Nicky Leong, especialista em interações entre Turismo e comunidades locais

No caso da medicina tradicional chinesa, o plano refere apenas a contínua promoção, investigação e desenvolvimento de um setor que, em 2021, contribuiu com 320 milhões de patacas em valor acrescentado. “O plano apenas espera ‘manter um crescimento sustentável’ e ‘aumentar’ o número de fábricas de medicamentos chineses, esperando aumentar substancialmente o número de patentes, e o número de programas de ensino superior para 45. Face aos atuais 34 programas”, conclui.

Entretanto, Jenny Philips, reitora da Faculdade de Negócios e Direito da Universidade de São José (USJ), MTC e finanças modernas são áreas já incluídas no plano para o desenvolvimento geral da Área da Grande Baía

Philips destaca:“Temos alguns projetos de pesquisa nessas áreas em algumas universidades, mas o alcance não é suficiente para contribuir significativamente para o PIB de Macau, uma vez que, para expandir esses projetos, precisamos do apoio de grandes organizações da China Continental”

Por isso, destaca que embora essas áreas podem ajudar a diversificar a economia e oferecer oportunidades para investigadores, para se desenvolverem como indústrias com “contribuições significativas para o PIB”, seria preciso ter “entidades bem estabelecidas em Macau”.

“Isso pode não ser alcançado a curto prazo, em apenas cinco anos. Quanto à cultura, desporto e MICE, são áreas com potencial de contribuir para 20 por cento do PIB de Macau, mas ainda dependem da indústria de turismo e, portanto, dos casinos”, aponta.

É preciso dizer honestamente que muitas indústrias, incluindo a medicina tradicional chinesa, as finanças, e  alta tecnologia, não estão realmente bem estabelecidas, levará bastante tempo a desenvolvê-las
Ron Lam U Tou, deputado

PMEs de fora

Embora o Governo enfatize a importância da inovação, há poucas menções no plano sobre as oportunidades que serão criadas para pequenas e médias empresas (PMEs), ou para empreendedores individuais que apostem nessa estratégia, alerta ainda Nicky Leong: “É essencial fomentar um ambiente que incentive e apoie as PMEs e os empreendedores, a fim de promover verdadeiramente a inovação no plano de diversificação”. Ron Lam destaca ainda que muitas empresas locais, especialmente PMEs, têm expressado “frustração” por não conseguirem identificar oportunidades de negócio neste plano.

“As PMEs em Macau continuam a operar apenas porque não podem parar. Durante a pandemia, muitas delas não anteciparam que a situação duraria tanto tempo e recorreram a empréstimos significativos. Agora, estão a lutar para pagar as suas dívidas e o encerramento do negócio pode resultar do pedido imediato de pagamento destes empréstimos”, lamenta Lam: “Mesmo para quem tem capital, nas atuais condições do mercado, é difícil encontrar uma oportunidade de real desenvolvimento. Tanto as PMEs quanto os jovens empreendedores não conseguem vislumbrar perspetivas concretas”, conclui o deputado.

Contact Us

Generalist media, focusing on the relationship between Portuguese-speaking countries and China.

Plataforma Studio

Newsletter

Subscribe Plataforma Newsletter to keep up with everything!