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Biden foi arrogante – ou ignorante

Paulo Rego*

Num dia, a luz em Pequim. Antony Blinken frisa as divergências, mas promete mais diálogo e outra atitude. Xi Jinping recebe o secretário de Estado norte-americano – baixo ranking para o Presidente chinês – e ergue a mão a dias melhores. No dia seguinte… regressa o mundo das sombras e da falta de senso. Biden ataca Xi, exibindo-se por ter mandado abater “o balão espião” que o “ditador” chinês nem sequer sabia onde estava. Expõe Xi a esse “embaraço”.

O Presidente norte-americano não descobriu ontem que o regime chinês é de partido único – e quem manda é Xi. Logo, sabia – ou tinha de saber – que estava a provocar a ira de Xi, neste timming e neste contexto. O embaraço a que o Presidente norte-americano quis expor a contraparte mostra arrogância – ou ignorância. E isso nada tem a ver com a discussão sobre a democracia e a ditadura; quem tem razão, ou acha que a tem… Trata-se, simplesmente, de uma semiótica diplomática agressiva e inexplicável quando se envia o seu mais alto representante prometer o contrário, na boca do tigre. Se a sequência é consciente… então é dolosa. Própria de quem faz o que que quer, onde e quando lhe apetece. Se, pelo contrário, é ignorante; no sentido em que Biden não percebeu as consequências, então tirem-no rapidamente deste filme, onde não há lugar aos inocentes.

Cinco anos depois de costas voltadas, Xi recebe Blinken. Dá-lhe face e promete “não atacar”, muito menos “substituir”, o império a ocidente. Vale o que vale. Mas é o que há para início de conversa. Não se pode pedir muito mais a Xi, ainda mais perante o interlocutor em causa. Mas o que Xi fez dava o sinal claro para libertar o pensamento chinês do anti-americanismo cego, munindo os canais diplomáticos da energia necessária para o diálogo e a busca de consensos. É essa a semiótica política onde há um líder que que manda – e sabe que é isso que está a fazer. Ao atacar diretamente Xi, Biden sabe bem – ou tinha de saber – que tira face ao líder chinês e recusa a mudança de mood que Pequim propôs.

Não é preciso ser chinês para reconhecer aqui uma clara provocação. Se Biden pensa isso, se prefere agir assim, não há outra forma de interpretar o sacrifício do seu alto emissário enviado ao “Palácio do Tigre”. Se a estratégia foi consciente, mostra que se acha a última coca-cola no deserto, provocando quem quer, quando e onde entende. A História está sempre a provar que a vara que pensam ser grande é na realidade mais curta. Se, por hipótese, Biden nem sequer percebe a questão, então ignora o que é hoje ser líder de um mundo que sirva a todos.

Há ainda outra hipótese: Biden sabe bem que não há paz sem a China… mas tira face à contraparte, focado nos lobbies internos e na opinião pública, junto de quem lhe dá jeito passar a falar com a China, mas simultaneamente continuar a demonizá-la. Afinal, é assim que funciona a democracia. O problema desta equação impossível é que Biden dá a Xi todos os motivos para mandar o diálogo à parte que bem entender.

Nos bastidores da diplomacia europeia, certamente no emergente hemisfério Sul, Biden perde mais trunfos do que ganha com esta postura. Na verdade, é precisamente este tipo de atitude que atira tanta gente para os braços da China. Não por propor a ditadura, ou o ideal comunista. Mas por ser menos arrogante – e nunca se dar ao luxo de ser ignorante.

*Diretor Executivo do Plataforma

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