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Reforma eleitoral em linha com Hong Kong

Nelson Moura

Deputados e analistas dizem que as alterações propostas à lei eleitoral para eleger o Chefe do Executivo e os deputados da Assembleia Legislativa fazem parte de processo de alinhamento dos requisitos exigidos pelo Governo Central para candidatos políticos em Hong Kong e Macau. As eleições do Chefe de Executivo em 2024 e as eleições legislativas em 2025 são também referidas como um dos motivos para o ‘timing’ da proposta

Na semana passada, o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong Weng Chon, apresentou uma proposta de revisão da lei eleitoral para eleger o chefe do Governo e os deputados da Assembleia Legislativa (AL).

A alteração legislativa, agora em consulta pública, propõe que a Comissão de Defesa da Segurança do Estado (CDSE) passe a ser responsável por verificar se os candidatos “defendem a Lei Básica e são féis à RAEM”.

Se aprovada, as decisões da CDSE sobre eventuais situações de violação do dever de defesa ou fidelidade, ao contrário das efetuadas pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) anteriormente, terão carácter vinculativo e não poderão ser alvo de recurso aos tribunais.

André Cheong justificou na altura as mudanças pelas “novas exigências e desafios” no âmbito da defesa da segurança nacional, de “defesa da soberania, segurança e os interesses do desenvolvimento do país”, e de plena implementação do princípio ‘Macau governado por patriotas’.

Os candidatos desqualificados não poderão candidatar-se novamente às eleições durante um período por determinar que, em principio, não será inferior a cinco anos.

“As alterações propostas tornam a lei eleitoral de Macau alinhada ou em conformidade com as principais disposições da lei eleitoral de Hong Kong. Também reflete a convergência da política de Pequim em relação a Macau e a Hong Kong”, diz ao PLATAFORMA o analista político, Sonny Lo.

As alterações terão também como objetivo combater o incitamento público ao ato de não votar, votar em branco ou nulo, com esses atos a serem considerados ilícitos criminais e punidos.

Nas eleições da AL em 2021, os votos em branco ou nulos representaram 3,8 por cento, percentagem mais alta do que em 2017, mas semelhante à de 2013 e inferior à registada em 2009.

Na altura, as autoridades associaram a maior abstenção desde a transição de soberania (57,62 por cento) a fatores como a pandemia e a meteorologia, descontando o impacto da desqualificação de 21 candidatos durante esse ciclo eleitoral.

Durante as eleições de 2021, um total de 21 candidatos foram afastados pela CAEAL, que na altura justificou a decisão citando fatores como a proibição de “denegrir a República Popular da China e a Região Administrativa Especial de Macau” e o dever de respeitar e cumprir a Lei Básica.

A Lei de Segurança Nacional em Hong Kong foi divulgada em 2020, enquanto Macau já tem a mesma lei há mais de uma década. Para resolver os problemas de Macau, bastaria ter um Lei de Bases da Segurança Interna, é totalmente desnecessário rever essa mesma lei em Macau. De qualquer forma, o Governo opta por estar em linha com a RAEHK

Ng Kuok Cheong,ex-deputado da Assembleia Legislativa de Macau

Poder extra

Desses 21 candidatos, 15 pertenciam a grupos pró-democracia, incluindo deputados como Au Kam San e Ng Kuok Cheong, com décadas no cargo.

Ng Kuok Cheong, que desempenhou o cargo durante 29 anos, diz ao PLATAFORMA que esta revisão da lei eleitoral é um seguimento do que aconteceu em Hong Kong, dando uma “grande liberdade às autoridades” para reagir a qualquer situação que surja em futuras eleições.

“A desqualificação dos candidatos em Hong Kong aconteceu primeiro nas eleições distritais, depois houve casos de deputados desqualificados por causa de juramentos inválidos”, nota.

“A Lei de Segurança Nacional em Hong Kong foi divulgada em 2020, enquanto Macau já tem a mesma lei há mais de uma década. Para resolver os problemas de Macau, bastaria ter um Lei de Bases da Segurança Interna, é totalmente desnecessário rever essa mesma lei em Macau.

De qualquer forma, o Governo opta por estar em linha com a RAEHK”.

Na sua opinião, a Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM poderá agora exercer um papel “mais autoritário” em Macau.

“Até o direito a recurso será retirado, ou seja, as decisões tomadas pela CDSE vão tornar-se incontestáveis. O objetivo principal da revisão é estabelecer e expandir o poder do CDSE”, aponta.

Para o antigo deputado, os vogais dessa comissão, que incluem o Chefe do Executivo, o Secretário para Segurança e o Secretário para a Administração e Justiça, vão poder “gozar de uma grande autoridade” com a possibilidade de excluir os candidatos que menos lhes agradem.

As futuras eleições do Chefe do Executivo, em 2024, são também apontadas como uma das razões para a proposta ter sido divulgada agora, com o antigo deputado a referir também que alguns dos membros da comissão poderão ser futuros candidatos a Chefe do Executivo.

O resultado final acaba por tornar o ambiente eleitoral em Macau “menos livre e menos democrático” com os direitos de voto e de ser eleito “mais restringidos”.

No que diz respeito ao combate do incitamento público ao ato de não votar, votar em branco ou voto nulo, Ng antevê um impacto muito negativo pois até “as críticas normais poderão não ser consideradas aceitáveis”.

Vozes em linha

O deputado Ron Lam defendeu esta semana que o direito de recurso em caso de exclusão de candidatos deve ser mantido, de maneira a assegurar um equilíbrio entre a segurança nacional e a proteção dos candidatos.

“Eu respeito os requisitos do nosso país em relação à segurança nacional. Hong Kong, Macau e Interior da China estão no mesmo ordenamento, portanto, eu respeito a introdução do veto dos candidatos”, disse à agência Lusa.

“Contudo, tenho de enfatizar que o Estado de Direito em Macau, o sistema deste território, foi sempre de que todos os assuntos que respeitam aos direitos humanos, incluindo o direito de se apresentar a eleições, têm um sistema de recurso administrativo e judicial correspondente.”

Por outro lado, Leonel Alves, advogado e representante de Macau na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defendeu esta semana que a revisão é uma “evolução necessária”.

“Creio que a triagem para a qualificação dos candidatos em função do seu grau de ligação ao país, ou patriotismo, é um fator importante e faz parte da evolução do processo que começou em Hong Kong”, indicou o também ex-deputado da AL em comentários à TDM Rádio Macau.

As alterações propostas tornam a lei eleitoral de Macau alinhada ou em conformidade com as principais disposições da lei eleitoral de Hong Kong. Também reflete a convergência política entre a política de Pequim em relação a
Macau e a Hong Kong

Sonny Lo, analista político

“O que aconteceu no passado recente em Hong Kong reavivou a importância da introdução nas duas regiões de conceitos muito próprios sobre os agentes políticos que poderão ter um papel político e que não podem estar muito distantes do que o país pretende para as duas regiões.”

Esta semana deu-se a primeira sessão de consulta pública da proposta de lei, destinada a quadros superiores da administração pública e aos dirigentes de associações dos diferentes setores sociais, contando ainda com a presença de membros do Conselho Executivo.

Nesta sessão promovida pelo Gabinete do secretário para a Administração e Justiça e que contou com cerca de 200 pessoas, a maior parte dos presentes interveio para declarar apoio à iniciativa do Governo e declarar a revisão como “necessária e oportuna”.

O presidente da Associação e Advogados e também deputado, Vong Hin Fai, por exemplo, declarou que candidatos à comissão eleitoral do Chefe do Executivo e os deputados à Assembleia Legislativa devem ser fiéis à RAEM, à República Popular da China e defender a Lei Básica.

A consulta pública da revisão terá uma duração de 45 dias, com seis sessões consultivas a ser organizadas para deputados da AL, membros da Comissão de Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo (CAECE) e de diversas comissões consultivas e aos representantes de associações de diversos setores.

Duas sessões abertas ao público terão também lugar no dia 24 de junho e 3 de julho.

O próprio secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, apontou haver “urgência” para acelerar o processo da alteração das leis eleitorais tendo em conta a eleição do Chefe do Executivo a ser realizada em 2024 e as eleições legislativas que terão lugar em 2025.

Com esse propósito, Cheong espera que a revisão da lei eleitoral do Chefe do Executivo possa ser aprovada no Hemiciclo até ao fnal deste ano.

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