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“Colocar mais energia em Macau e no Fórum Macau”

Nelson Moura

Há ainda muito desconhecimento por parte do Brasil sobre como o Fórum Macau, Hengqin e a Grande Baía podem contribuir para os interesses do país na China, diz Pedro Steenhagen, especialista sénior do think thank brasileiro, Observa China, em entrevista ao PLATAFORMA

Como vê a atratividade de Macau e da Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin para o lado brasileiro?

Pedro Steenhagen – Infelizmente, nem a RAEM nem a Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau são sequer citadas nos 15 acordos assinados por ocasião da visita do Presidente Lula à China.

Olhando um pouco mais para trás, especificamente para o Plano Decenal de Cooperação entre Brasil e China (2012-2021), não há qualquer menção a essas regiões. Trata-se de uma oportunidade perdida. Macau é uma ponte importantíssima entre a China e a comunidade lusófona, seja em termos culturais, seja em termos de oportunidades de negócios. A China tem implementado crescentes esforços para diversificar a economia da RAEM e integrá-la no plano de desenvolvimento nacional chinês e na sua estratégia internacional, inclusive, via Iniciativa Cinturão e Rota.

Isso, aliado a tudo que a Área da Grande Baía tem a oferecer, especialmente em inovação, tecnologia e novas indústrias, abre uma janela de oportunidade muito interessante para o Brasil. A Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin é um ótimo exemplo. A própria criação dessa zona e a crescente inserção de Macau na Área da Grande Baía e na estratégia de desenvolvimento nacional demonstram que as oportunidades para Países de Língua Portuguesa na China não se restringem necessariamente a Macau, mas que a RAEM pode ser uma plataforma de entrada e de conexão relevante.

É inacreditável que, enquanto maior país de língua portuguesa no mundo, o Brasil ainda tenha, por exemplo, uma presença relativamente pequena na difusão da língua e de sua cultura em território chinês

Em Hengqin, há a previsão de que, em julho, seja inaugurado o Centro de Cooperação e Intercâmbio de Ciência e Tecnologia entre a China e os Países de Língua Portuguesa, que visa a tornar-se uma plataforma de intercâmbio entre empreendedores, startups e companhias de tecnologia da China e dos Países de Língua Portuguesa. Ademais, no ano passado, foi anunciado que um Centro de Comércio Internacional entre a China e os Países de Língua Portuguesa também seria estabelecido, o que promete ser vantajoso para o Brasil, em particular, no que concerne a assuntos que envolvem economia e comércio digitais.

Que papel pensa que Macau e o Fórum Macau podem ter na ligação empresarial entre o Brasil e a China?

P.S. – Quando avanço a ideia de que o Brasil deveria ser mais participativo no Fórum Macau e que a RAEM guarda um potencial estratégico ainda intocado nas relações sino-brasileiras, não é incomum ouvir o seguinte questionamento: Por que o Brasil deveria gastar energia com Macau se o comércio e os investimentos já estão nas alturas e já há canais institucionais relevantes, como a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação? Trata-se de um questionamento extremamente justo e que tem um fundo de razão, até porque os ganhos diretos com essa energia extra, muitas vezes, podem não estar tão claros.

Creio que o tipo de questionamento mencionado acima tenha a sua origem numa conexão mais restrita e limitada acerca das relações sino-brasileiras e até mesmo do relacionamento do Brasil com a comunidade lusófona. Colocar mais energia em Macau e no Fórum Macau não deixa de ser, em alguma medida, uma aposta, porém há também benefícios a serem colhidos desde já.

Certamente, até por fatores históricos, Portugal tem um papel essencial e indispensável na comunidade lusófona, em Macau e nas variadas instituições que, crescentemente, têm promovido o ensino da língua e da cultura portuguesas na China continental.

Ao mesmo tempo, é inacreditável que, enquanto maior país de língua portuguesa no mundo, o Brasil ainda tenha, por exemplo, uma presença relativamente pequena na difusão da língua e de sua cultura em território chinês.

Como descreveria este momento nas relações entre o Brasil e a China, pós-eleição do Presidente Lula?

P.S. – É excelente para a parceria sino-brasileira. Diante dos imensos desafios que se impõem no contexto interno, Lula tem, no palco internacional, um espaço com mais liberdade para brilhar e para obter conquistas importantes para o início do seu terceiro mandato como Presidente do Brasil. Não é à toa que tem tido uma participação bastante ativa nos fóruns internacionais e reiterado a ideia de que “o Brasil está de volta”, retirando o país da posição de pária que ocupou sob a administração de Jair Bolsonaro.

Nesse sentido, uma atenção especial tem sido dada à China, tendo em vista o seu peso político-económico no mundo, a sua legitimidade enquanto parte fundamental do Sul Global e a sua contribuição para a economia brasileira. O destaque que o Brasil dá à China – e que a China também dá ao Brasil – ficou claro durante a recente e simbólica visita do presidente Lula ao país asiático.

Ao mesmo tempo, a China reforça a sua presença internacional neste período pós-pandémico tendo de lidar com novas e antigas adversidades. Por exemplo, os preocupantes atritos com os Estados Unidos continuam, e o conflito entre Rússia e Ucrânia coloca o país asiático numa posição mais difícil na sua relação com o chamado mundo ocidental. Dessa forma, a China precisa de relações sólidas, estáveis e previsíveis, precisa de saber com quem pode efetivamente contar, e o Brasil pode oferecer isso.

O conflito entre Rússia e Ucrânia coloca [a China] em uma posição mais difícil na sua relação com o chamado mundo ocidental

Assim, mais que um retorno à normalidade, devemos ver um esforço direcionado ao aprofundamento das relações sino-brasileiras, até porque foi durante o governo Lula, na década de 2000, que o relacionamento entre Brasil e China descolou e 2023 marca agora os 30 anos do estabelecimento da parceria estratégica entre as duas nações.

Quais os atuais entraves aos negócios entre os dois parceiros?

P.S. – Além da barreira linguística, de desafios na integração sociocultural e de possíveis peculiaridades de cada país, destacaria potenciais desconhecimentos de leis e de políticas nacionais e, principalmente, locais, desde o âmbito civil e trabalhista até ao nível ambiental e tributário, passando, por vezes, pela falta de esclarecimento acerca do passo-a-passo da burocracia a ser resolvida e pela falta de diálogo estratégico entre parceiros brasileiros e chineses.

Em 2012, um estudo revelou que a esmagadora maioria das sociedades empresárias brasileiras encontrava-se na costa leste da China, bem como que os investimentos brasileiros mantiveram-se estagnados entre 2000 e 2010. Ademais, embora diversificados, esses investimentos não estavam presentes em setores estratégicos apontados pelo Governo chinês. Parece-me que as coisas permanecem mais ou menos as mesmas.

Há muito espaço para buscar um aprimoramento do cenário supracitado, tanto em termos de expandir a presença geográfica das companhias brasileiras na China quanto em termos de fortalecer os investimentos brasileiros no país asiático.

Como foi mencionado anteriormente, Macau pode ter um papel interessante nesse sentido, inclusive no estabelecimento e na consolidação dos contatos e das redes profissionais entre os dois países.

Indubitavelmente, um dos processos mais importantes para a retirada dos entraves existentes nos negócios, no comércio e nos investimentos entre os países, bem como para a redução da assimetria do comércio e de investimentos na relação bilateral, é o estreitamento do diálogo entre os governos dos dois países, entre suas companhias e entre sociedades empresárias. Com isso, espera-se que, aos poucos, surjam redes capazes de melhor alinhar os interesses e as estratégias dos setores público e privado do Brasil e da China.

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