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O destino da TAP é o de Portugal

João MeloJoão Melo*

Enquanto agente cultural sempre me esforcei por ressarcir os investimentos efectuados naquilo que produzo, senão nem recebia mais encomendas, contudo tenho consciência de que certas coisas à partida nunca darão lucro e devem ser feitas. Sou contra o pensamento economicista servir de padrão para todas as actividades artísticas; às vezes as menos rentáveis são as que fornecem memória cultural mais valiosa, e interromper essa transmissão condiciona a nossa própria sobrevivência, afinal se não soubermos donde viemos não sabemos onde estamos, nem sabemos para onde vamos. O Real Teatro Nacional inglês tem entretido, educado e inspirado gerações de espectadores, influenciando o panorama teatral britânico e mundial. A sua programação compõe-se principalmente de autores clássicos de língua inglesa. Ao cobrar bilhetes insere-se no circuito comercial mas não se trata de concorrer com a restante oferta privada, nem comparar qualidade artística, e sim acrescentar mais-valia. Qual o propósito de o governo do Reino Unido desperdiçar dinheiro dos contribuintes nesta extravagância, subjectivamente pouco apelativa para a grande maioria deles? Manter viva a identidade nacional. O Estado, neste caso o reino, existe para proteger os fracos, providenciar igualdade de oportunidades educativas e de saúde, permitir a todos o acesso a conteúdos eruditos, “difíceis”, já que os fáceis estão aí ao virar da esquina. Em princípio não interessa se ninguém for assistir a uma peça de Shakespeare, ela simplesmente tem que ser encenada, estar disponível, é do interesse nacional que assim seja. O Real Teatro Nacional é uma amostra da estratégia cultural, de informação e propaganda que inclui diferentes agências, por exemplo a BBC ou a OneWeb, provedora mundial de banda larga e dona de uma constelação de satélites. O quadro completa-se com instituições da esfera do poder, a energia nuclear, finança, banca e seguros, e redes de comunicação física como correios, auto-estradas, caminhos de ferro, metro, autoridade da aviação civil, etc. Todas visam a circulação de pessoas, bens e serviços, assegurando o controlo de estruturas dedicadas à comunidade, fortalecendo a unidade da nação. Em face de este antigo império global deter imensa influência política e económica torna-se por si só um pólo de atracção mundial, não necessitando de possuir uma companhia de aviação de bandeira; o dinamismo económico atrai a conveniência de outros países e companhias privadas em se ligarem a eles.

Se o impacto da influência do Reino Unido sobre o mundo fosse conversível em linhas de alta velocidade, os meios portugueses seriam comparáveis a caminhos de cabras, e a TAP a diligência que os percorre. Mais que uma companhia de transportes aéreos a TAP é um dos braços armados da estratégia de afirmação internacional, um papel que o Instituto Camões e particularmente a RTP teria de assumir sem culpas ou desculpas. Assegura ligações que nenhuma outra companhia mostra interesse em explorar uma vez que não são rentáveis, nomeadamente para os PALOP, e os núcleos de emigração portugueses espalhados pelo mundo. Na prática sustenta a retórica da CPLP, sendo responsável por no ano passado transportar 45% dos turistas que chegaram a Portugal pelas vias que recebem 90% das entradas, os aeroportos. Nos últimos anos teve um peso de 2% no PIB nacional, além de efeitos indirectos na indústria do turismo. Não simpatizo ou antipatizo com a TAP apenas reconheço que devido à frágil posição no contexto mundial, Portugal não pode prescindir de uma companhia aérea de bandeira. Alguns países europeus têm-nas e nem precisam, alguns têm e precisam, outros não têm e não precisam. Os países periféricos, em especial o nosso, requerem uma companhia de bandeira. Temos direito a questionar se estará a ser bem administrada todavia é de vital importância que exista, e assim o foco deve apontar para a redefinição do seu papel, aliado a uma melhor gestão, e não para a perspectiva de a encerrar porque é deficitária. A atitude do governo durante o processo pareceu atabalhoada, e agora subordinar a aprovação da reestruturação à Assembleia da República é um sinal de desresponsabilização perante o futuro da empresa. De facto está a afirmar “pronto, já fizemos o trabalho de casa. Este foi um ano de penosos desafios, estamos cansados, fartos de tentar justificar facturas que também não conseguimos explicar, como as do Novo Banco. De qualquer modo têm aí o trabalhinho, está entregue, façam o quiserem com isso”. Não sei muito de economia, porém se o destino da TAP for limitar o seu raio de acção ou fechar portas estaremos a sentenciar Portugal a um triste caminho, aquele que nos levará a tornarmo-nos cada vez mais pequenos.

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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