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O museu dos quadros e o do presunto na mesma rua

Rute CoelhoRute Coelho*

Esta semana a imprensa espanhola trouxe reportagens sobre uma bela iniciativa do Museu do Prado, o mais importante de Espanha e um dos mais relevantes no mundo. “El Prado en Las Calles” ( “O Prado nas ruas”) tem levado desde 2015 algumas das obras mais icónicas do museu às ruas de cidades de Espanha, sob a forma de reproduções fotográficas em tamanho real das originais, mas também a capitais onde o antigo império espanhol firmou amarras como La Paz (Bolívia), Lima (Peru) ou Havana (Cuba).

Em tempo de pandemia e de olhares tristes e tensos por cima das máscaras, ter a arte a vir para as ruas é fundamental. Em Madrid, essa capital da vida de rua e da boa vida em geral, o Paseo del Prado é a morada do famoso museu e de outros de renome como o Reina Sofia e o Thyssen-Bornemisza e …o Museu do Presunto (Museo del Jamon).

Ah pois, que isto de andar quilómetros a contemplar obras de arte tem mais graça se a seguir se fizer uma paragem para “una copa” e um prato com presunto. Um templo dedicado às tapas tem, portanto, direito à mesma morada nobre que Degas ou Bosch. Aliás, no Museu do Presunto até podia haver uma reprodução deste último, o “Jardim das Delícias” (cujo original está no Prado).

Bosch foi um pintor holandês do século XVI que teve uma existência muito confinada à sua cidade s-Hertogenbosch, da qual deriva o seu nome, mas o seu mundo de imaginação não tinha limites. O “Jardim das Delícias” faz parte de um tríptico onde se mostra desde a criação do mundo e o paraíso original de Adão e Eva até à destruição de tudo pelo Homem e ao mais horrífico dos infernos alguma vez pintado.

O nosso deboche e o seu resultado estão à vista mas prefiro olhar para ele através de uma tela de Bosch do que na tela de um qualquer jornal televisivo.

E, portanto, o que falta a Lisboa e a várias capitais europeias e mundiais? Que as artes ocupem as ruas. Não só sob a forma de exposições de pintura (por cá o Museu Nacional da Arte Antiga fez o mesmo que o Prado e levou reproduções para as ruas em 2015) mas também de música, teatro, dança, escultura, comédia, números circenses…

Cumprindo as regras sim, apenas em espaços grandes o suficiente para permitir a distância social, sim, mas urge encher as almas de beleza. Porque o mundo está feio. A fealdade entra-nos pelos ecrãs dentro e pelos nossos rostos transformados com máscaras cirúrgicas. Faltam-nos as viagens e as conversas com viajantes, diferentes de nós. Enquanto isso não é possível, tragam-nos oxigénio, se faz favor.

*Jornalista

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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