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Os negros também se matam

José Kaliengue*

Luanda, Segunda-feira, 8 de Junho. Vejo num grupo de jornalistas numa rede social uma discussão sobre a morte de um jovem às mãos da Polícia. Até agora a Covid-19, que impôs ao país um estado de emergência de dois meses e uma situação de calamidade que já leva quinze dias, matou quatro pessoas. Neste mesmo período os “acidentes” da Polícia somam uns dez, já lhes perdi a conta.

Estou na redação e olho para a Internet, inundada de imagens de manifestações contra o racismo, por todo o lado. Por todo o mundo. Ainda bem que o movimento Black Lives Matter varia para todo o tipo de racismo e não se ficou pelos “acidentes” da Polícia norte-americana que terminam com a morte de pessoas com a pele mais escura. Ainda bem que se grita. Ou se grita, ou se nega o amanhã.

Ainda bem que a discussão segue também o rasto da discriminação, da falta de oportunidades, da segregação. Ainda bem que não se diz que os negros americanos só são mortos por polícias brancos.

Ainda bem que se discute as barreiras no acesso aos cuidados de saúde e à frequência escolar. Às oportunidades. O problema da violência é bem mais profundo. E só piora quando condimentada pelo racismo. Ou ele os fomenta. Mas não se fecha todo no racismo ignorante. Há uma história que é preciso contar para modelar um futuro diferente. E na história há tons garridos de racismo, não se pode negar.

Black Lives Matter, sim, mas tem de ser para todos os blacks, todas as lives deste mundo

Aqui, também a vida dos negros angolanos importa, ou deveria, mas falta um polícia branco a quem apontar o dedo.

Ontem mesmo foi uma mulher, mãe, em Caluquembe, no Sul do país, também morta por uma bala “acidentalmente” disparada por um polícia.

Talvez por isso em Angola não tenha feito grande eco o Black Lives Matter, juntaram-se os artistas e pouco mais pela internet. As declarações políticas foram tímidas. Pergunto-me se é por não haver racismo aqui, se por ser tabu falar dele, ou se é pela vergonha de marchar sobre um assunto distante quando aqui também tombam mulheres e crianças à mão da Polícia, “acidentalmente”.

As estátuas da supremacia branca já caíram por cá aquando da Independência, mas em África ficaram ou foram erguidas as estátuas da miséria e do subdesenvolvimento, da fome. Estas interessa-me ajudar a derrubar. São estátuas da vergonha. Mas não para as apagar da memória, apenas para a nutrir com novos doces de felicidade e irmandade, com sonhos sorridentes

Temos ainda guerras em África, como tivemos em Angola, com todo o tipo de atrocidades, tal como as que nos conta a história da Segunda Guerra Mundial e a dos Balcãs. Tinham o mesmo tom de pele, mas inventaram outros racismos para justificar a carnificina. Há sempre um racismo qualquer para apimentar a loucura.

Black Lives Matter, sim, mas tem de ser para todos os blacks, todas as lives deste mundo. Na Síria, em África, na América Latina, e ainda as “black lives norte-americanas de olhos azuis e cabelo loiro”, que as há também. Que seja por todas as vidas. Todas interessam. Em igualdade. É isto que os racistas não entendem. Há uma só raça humana.

*Diretor do jornal O País, em Angola

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