Início » Há, mas são verdes!

Há, mas são verdes!

Em dias de Grande Prémio de Macau, misturam-se odores familiares de borracha queimada no asfalto, óleo de competição e fumos de gasolina. Uma ode às emoções da vertigem da velocidade e dos destemidos pilotos. Mas também, indiretamente, uma apologia do petróleo. Um resquício, talvez, das proezas permitidas por uma tecnologia em decadência.

O mundo enfrenta desafios ambientais enormes. No caso da China, estes são agudizados pela sua dimensão e ritmo de expansão económica. Muita da sua poluição é gerada pelas fábricas, mas muita vem também do aumento do consumo de uma classe média emergente com novas necessidades e anseios materialistas.

Recordo outros tempos em que ir à China, a Pequim por exemplo, era ver dezenas de milhar de ciclistas nas ruas, em faixas de rodagem próprias, ao ritmo dos seus quadríceps. Nesses já longínquos anos 80 ainda não havia uma percepção generalizada de que o planeta precisava de modelos de desenvolvimento sustentáveis.

Recordo-me também de visitar Hangzhou e ver famílias a deslocarem-se em motos elétricas, residentes e turistas a utilizarem modernos e limpos autocarros elétricos conduzidos de forma suave e civilizada, táxis movidos a gás e bicicletas espalhadas por extensas áreas citadinas, a uso por gentes locais e por turistas que pagavam o seu uso através do telemóvel, com o Alipay ou Wechat pay. Recordo-me bem. Foi em Agosto passado.

Aqui em Macau, tenho fresca memória de sentir os pulmões secos e ficar com uma tosse incomodativa. Verifiquei mais tarde que os níveis de poluição na região estavam altíssimos, desaconselhando até a prática de desporto ao ar livre. Lembro-me bem. Foi na semana passada. 

Há cerca de um mês ao final do dia, também me recordo de ver tantos autocarros ao mesmo tempo na Praça Ferreira do Amaral, que serve como uma espécie de terminal de autocarros manhoso, que se atrapalhavam uns aos outros resultando numa situação caricata de se bloquearem mutuamente, não conseguindo andar nem para trás nem para a frente durante os longos minutos em que a situação se complicava mais com a chegada de ainda mais autocarros. Foi preciso entrar em cena a polícia para desbloquear aquele ridículo carrossel de autocarros parados. Está à vista de todos.

Dá que pensar ver uma cidade eminentemente turística, que tem todas as condições para resolver estes problemas e tornar-se uma referência na região na adopção pioneira de soluções amigas do ambiente, não ter uma visão integrada destas questões, ou pelos menos fornecer respostas parcelares eficazes ao problema dos transportes, do congestionamento e da poluição. Porque é que não há, por exemplo, bicicletas e motos elétricas em Macau? Porque não se criam transportes públicos “verdes”? Porque é que os autocarros dos casinos não são obrigatoriamente elétricos?

A indústria de Macau é o turismo e o jogo. A cidade está a “rebentar pelas costuras” face ao fluxo crescente de visitantes. Melhorar a experiência de quem nos visita e sobretudo melhorar a qualidade de vida dos que cá habitam deve ser uma prioridade dos governantes.

Mais espaços verdes, melhor qualidade do ar, menos veículos nas ruas, aposta em tecnologias menos poluentes, mais espaços de circulação regulada. Sim, mais zonas da cidade devem ser fechadas ao trânsito, principalmente durante os fins-de-semana, proporcionando roteiros pedonais agradáveis. Por exemplo, toda a zona da Avenida Almeida Ribeiro, Rua dos Mercadores e Bazar Chinês podia ser fechada só a peões e a bicicletas durante certas horas do dia.

No ciclo de adoção de novas tecnologias e produtos há os entusiastas e visionários, os chamados early adopters em inglês. Depois vem a maioria inicial, os pragmáticos, seguidos da maioria tardia, os conservadores. No fim da linha estão os cépticos, denominados retardatários. Aqueles que se atrasam. É uma questão de atitude. As soluções existem e em muitas outras cidades, inclusivamente chinesas, já provaram ser bem-sucedidas. Mas aqui desdenhamos essas modernices. Veja-se o triste caso da Uber.

Já aqui ao lado, em Zhuhai por exemplo, há motos e bicicletas elétricas que são usadas no dia-a-dia de milhares de pessoas. É verdade. Há, mas são verdes! 

João Rato* 

PLATAFORMA Macau

* Gestor

[email protected]

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!