Início » Margens da ponte

Margens da ponte

Após sucessivos adiamentos, eis que finalmente vai abrir a ponte Hong-Zhuhai-Macau na próxima terça-feira. O ato reveste-se de um múltiplo significado: Materializa um sonho idealizado há 35 anos pelo empresário de Hong Kong Gordon Wu, que parecia impossível de ver a luz do dia; é uma obra de engenharia sem par a nível mundial, sendo a maior ponte sobre o mar; e afirma a projeção da China, quer externa, quer internamente, sobretudo no contexto do processo de integração regional. A avaliação do impacto e benefícios desta obra de contornos “faraónicos” será feita ao longo dos próximos anos, décadas. Além da constatação do óbvio, relativamente às dimensões material e simbólica do projeto, outras questões subsistem e emergem.

Desde logo, quem serve. A circulação de automóveis particulares está sujeita ao compreensível, mas bastante restrito sistema de quotas. Os transportes públicos (autocarros e táxis) poderão colmatar parcialmente esse obstáculo, mas, nesta primeira fase, para os residentes de Macau, os ganhos face ao transporte marítimo direto para Central em Hong Kong podem ser mínimos ou inexistentes. Já o sector da logística e transporte de mercadorias deverá obter vantagens imediatas e significativas. A este respeito, a zona que deverá sair mais beneficiada é Zhuhai e a região oeste do Delta do Rio das Pérolas (comparativamente menos desenvolvida que o outro lado do estuário). 

Para Macau, a ponte poderá trazer ainda mais visitantes, o que será uma espada de dois gumes: por um lado mais receita; por outro, renovadas preocupações relativamente à capacidade da cidade gerir um cenário desse tipo do ponto de vista das infraestruturas e do bem-estar da população residente. Macau terá de se preparar convenientemente para o impacto transformacional da ponte no médio/longo prazo através de políticas públicas com pés e cabeça e com sentido de planeamento. 

Uma outra questão –a mais importante – diz respeito à qualidade da construção e segurança. Ao logo dos últimos meses fotografias e relatos vários acentuaram ceticismo em torno da qualidade dos materiais utilizados e dos sistemas de inspeção às condições de segurança. O escrutínio terá que ser – e bem – apertado. As autoridades saberão certamente o que está em causa. Nesta hora de celebração, com toda a pompa e circunstância, há que ter os pés bem assentes na terra ao atravessarmos esta maravilha da engenharia – símbolo do projeto maior de integração e conectividade na zona da Grande Baía – que, alertam os céticos, corre o risco de se tornar num “elefante branco”. Neste momento de comemoração e solenidade será, contudo, imperdoável esquecermo-nos (como acontece demasiadas vezes) das mais de 300 vítimas de acidentes de trabalho, nove das quais fatais.  

José Carlos Matias 19.10.2018

Contact Us

Generalist media, focusing on the relationship between Portuguese-speaking countries and China.

Plataforma Studio

Newsletter

Subscribe Plataforma Newsletter to keep up with everything!