O desmantelamento da Base das Lajes, nos Açores, parecia sinalizar um recuo de Washington no messianismo da democracia e dos direitos humanos, alicerçado no domínio económico e no músculo militar. Contudo, a multiplicação de ataques com drones (sobretudo no mundo árabe), a proliferação de coligações (contra o terrorismo e o Estado Islâmico), ou a venda de armamento estratégico (Japão à cabeça) revela que Obama não inverteu a tentação hegemónica norte-americana. Mudou-lhe foi a face e o eixo estratégico, da Europa e do Médio Oriente para a Ásia, onde concentra agora 60% da sua capacidade militar no exterior.
Depois da Segunda Grande Guerra, Franklin Roosevelt fez do Japão um tampão à China comunista, mas a projeção militar norte-americana no Pacífico evitou também a corrida armamentista por parte de anticomunistas primários, que agitavam a Coreia do Sul e Taiwan. Afinal, o tempo era de paz e de crescimento económico. Entretanto, primeiro a Guerra Fria, depois a Jihad islâmica, desviaram o Pentágono para pontos do globo onde a decadência económica alimentou radicalismos ideológicos e religiosos. Mas a história é hoje diferente e o cordão sanitário que se ergue à volta da China é evidente – e perigoso.
Na década de 1980, Deng Xiaoping e Zhao Ziyang convidaram alguns dos mais reputados economistas ocidentais a ajudarem a China a racionalizar o sistema produtivo, integrar as leis de mercado e internacionalizar a sua economia. A condição quase única era a hegemonia do partido único. Uma “oportunidade rara e importante”, comentou na altura o Nobel da economia, James Tobin. “Em nenhum outro país do mundo pediriam conselhos a estrangeiros”, frisou Alec Cairncross, fundador do que viria mais tarde a ser o Banco Mundial.
Xi Jinping está nos antípodas dessa abertura: discursa contra “forças estrangeiras hostis”, frisa a “obediência” das empresas ao Partido Comunista e reclama direitos ancestrais no Pacífico. Do outro lado, em entrevista à Foreign Affairs, John Kerry acaba de esticar a corda e, em fim de mandato, deixa ameaças sobre a necessidade de proteger os aliados asiáticos, com recurso “aos meios que forem necessários”.
O tempo é de tensão e de ameaças. É caso para dizer ao tempo: volta para trás.
Paulo rego