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Bancos mais expostos a risco de liquidez

O FMI alerta contra a crescente concentração de ativos tóxicos na banca com a conversão de crédito malparado em novos produtos de investimento. 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que oito por cento dos ativos da banca chinesa sejam hoje constituídos por produtos de investimento assentes em ativos de crédito da banca paralela com elevados riscos de incumprimento. O Fundo manifesta preocupação crescente com as vulnerabilidades do sistema financeiro da China e volta a recomendar reforço da supervisão e reformas. Os produtos estruturados a partir de crédito, adianta, perfazem hoje 92 por cento do valor que serve de almofada às instituições para garantir empréstimos convencionais.

No relatório anual de consulta com as autoridades chinesas sobre a situação da economia do país, publicado na última semana, o FMI dá destaque ao aumento da exposição da banca tradicional ao sistema de financiamento paralelo por via de produtos financeiros derivados. Trata-se de produtos assentes em grande parte em ativos de crédito –  títulos sobre empréstimos oferecidos dentro e fora do circuito da banca, que têm vindo a crescer substancialmente.

O documento do FMI indica que estes produtos de investimento atingiam no final de 2015 um valor de 40 biliões de renminbi, tendo crescido 48 por cento ao longo do último ano. Equivale, nas contas da organização com sede em Washington, a 40 por cento do crédito obtido pelas empresas chinesas junto dos bancos, ou a 58 por cento do produto interno bruto chinês. “Cerca de metade dos produtos de crédito paralelo parecem colocar riscos elevados de incumprimento ou perda total”, indica o relatório, que calcula o valor dos ativos tóxicos em 19 biliões de renminbi.

O Fundo Monetário Internacional não antecipa riscos de crise imediata, e admite que no sistema financeiro chinês estes são mitigados pela reduzida exposição aos mercados globais. Vê, no entanto, uma rápida deterioração dos ativos das instituições à medida que desce o nível de depósitos no país e os bancos recorrem cada vez mais ao mercado interbancário para se financiarem. O perigo, indica, está num potencial episódio de choque de liquidez.

Cerca de metade do novos produtos de investimento, oferecendo taxas de retorno muito superiores às remunerações tradicionais de crédito ou títulos de dívida, são estruturados a partir de ‘ativos de crédito não-convencionais’ – tipicamente, empréstimos – e ações. Trata-se de títulos de maior risco, também na medida em que resultam em parte da exploração de lacunas na regulamentação por parte dos próprios bancos. Tudo aponta para que as instituições tenham vindo cada vez mais a qualificar perdas potenciais – crédito malparado – como produtos de investimento através destas operações financeiras.

“Transferir crédito em deterioração para pacotes de ativos, muitos dos quais acabam nas carteiras dos bancos, permitiu aos bancos evitar reconhecer a exposição a crédito malparado, evitar assumir provisões contra perdas nos seus ganhos, e evitar incluir os empréstimos no rácio de crédito por depósitos”, afirma o relatório. O FMI estima que o crédito problemático atinja atualmente uma taxa de 15,5 por cento no total de empréstimos da banca, contra dados oficiais de 5,5 por cento. A instituição antecipa perdas potenciais num valor de 7 por cento do PIB chinês, assumindo que 60 por cento destes empréstimos ficarão por cobrar.

“A rápida expansão no tamanho, interconexão e complexidade do sistema financeiro exige um equivalente aumento e coordenação da supervisão”, defende o Fundo, recomendando a revisão da implementação das regras de cobertura de liquidez aplicadas à banca e restrições nos mecanismos que têm vindo a permitir o crescimento da alavancagem dos bancos nas operações de financiamento no mercado interbancário.

As novas vulnerabilidades do sistema financeiro são resultado do problema de endividamento das empresas do país, após o esforço de investimento público e privado ocorrido na sequência da crise financeira global. Entre 2009 e 2015 o crédito expandiu-se no país em taxas médias de 20 por cento, estando fortemente concentrado nas empresas, nas quais se assistiu a uma perda da eficiência do investimento – sobretudo entre empresas estatais e sectores hoje excedentários ligados à construção e imobiliário.

“O problema da dívida das empresas deve ser abordado urgentemente com uma estratégia integrada”, defendem os autores do relatório. Mais uma vez, o FMI recomenda que o Governo Central deixe falhar as empresas em dificuldade, nomeadamente, através de um programa-piloto que identifique unidades detidas pelo Estado em situação clara de capacidade excedentária para que sejam alvo de programas de redução de dívida – com, por exemplo, a conversão desta em ações – e mesmo de processos de liquidação. As perdas para o sistema financeiro devem também ser reconhecidas e governos e administrações devem partilhar o fardo, penalizando-se os decisores responsáveis pela atual situação.

Com a implementação destas medidas, o país aceitará efeitos negativos a curto prazo com a perspectiva de ganhos futuros, entende a organização de Washington. O FMI antecipa uma desaceleração do PIB para um crescimento de 6 por cento em 2017 na cenário de reformas proposto, com a recuperação para uma taxa de 6,5 por cento a médio prazo.

A manutenção da tendência de expansão rápida do crédito na economia, a par com a incerteza na direção da política cambial, é motivo apontado pelo Fundo Monetário Internacional para recomendar também que o Banco Popular da China encontre nova ancoragem para a política monetária, ainda que mantendo o objectivo de liberalização completa do câmbio do renminbi. No entender do FMI, o banco central deve alargar o seu mandato ao controlo da inflação, sendo essa a próxima grande reforma do sector financeiro esperada das autoridades do país.

A total liberalização do sistema cambial deve manter-se como objectivo, a alcançar idealmente até 2018, mas até lá o Banco Popular da China deve encontrar uma nova âncora para a sua política monetária dada a situação de incerteza com a atual referenciação a um cabaz de moedas.

O FMI acolhe os progressos feitos no âmbito da liberalização financeira, nomeadamente com o fim dos tetos máximos de taxas sobre depósitos bancários no ano passado, mas aponta a necessidade de novas reformas após o episódio de forte volatilidade das bolsas chinesas no Verão do ano passado, com impacto global nos mercados.

“[O] aumento da volatilidade dos mercados financeiros (com efeitos de contágio globais) no seguimento de diversas alterações da política cambial e o crescimento rápido do crédito apontam para a necessidade de ter em conta as relações crescentes entre política monetária, estabilidade financeira e regime cambial à medida que os mercados financeiros são liberalizados e as restrições aos fluxos de capitais sofrem um alívio gradual”, defende. “Com uma maior flexibilidade cambial, a política monetária terá de focar-se cada vez mais na estabilidade dos preços domésticos”, acrescenta.  

Maria Caetano

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