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Paulo Rego – A ARTE E A MAGIA ESTÃO A CEDER

A grande penalidade que permitiu à Alemanha dar início à goleada com que humilhou a seleção portuguesa terá sido mal assinalada; a dupla de centrais formada por Pepe e Bruno Alves poderia ter cumprido a sua obrigação posicional e, desse modo, evitado o segundo golo germânico, na sequência de um canto que deveria ter sido inifensivo; Pepe poderia não ter sido expulso, recorrendo aos seus anos de experiência para não encostar a cabeça num adversário a quem já havia molestado pondo-lhe a mão na cara; Rui Patrício podia – e devia – ter feito melhor, pelo menos no quarto e último golo que selou o descalabro… Enfim, se estes e tantos outros lances corressem pelo melhor, talvez Portugal pudesse até ter ganho o seu jogo de estreia no Mundial do Brasil.

Mas as coisas foram todas o que foram. E podiam ter sido ainda piores. Muito mais do que a derrota, já de si expressiva e pesada, Portugal saiu de campo incrédulo e cabisbaixo, com o peso do mundo nos ombros. Como é bom que técnicos e jogadores tenham percdebido, o problema nem sequer é o de uma derrota, por mais expressiva que ela tenha sido. A grande questão é que Portugal nunca chegou verdadeiramente a disputar a partida, deixando no ar a ideia de que aquilo que vale, na teoria e na história recente da modalidade, não será capaz sequer de mostrar ao mundo neste Campeonato. Aconteceu aos portugueses o mesmo que havia deixado de rastos os espanhóis – campões do mundo em título – cilindrados pela Holanda sem apelo nem agravo.

A  tradição que vem de longe na Península Ibérica é sempre a da apontar o dedo aos culpados. Neste caso, o treinador, Paulo Bento, é conservador e teima em não introduzir pedras novas no “onze” titular, sendo a manutenção de William Carvalho no banco o exemplo mais óbvio; Cristiano Ronaldo não está em forma e, por isso, parece não poder continuar a carregar a equipa às costas; o meio-campo está fisicamente frágil e psicologicamemnte ausente…. Enfim, sendo tudo isto é verdade, o facto é que a questão tem contudo contornos mais sérios e profundos. Os alemães foram capazes de colocar em campo as suas principais armas: disciplina tática, segurança nos movimentos defensivos, ataques cirúrgicos e eficácia na finalização –  talvez mesmo se junte a isto a simpatia do árbitro perante uma grande potência. Quanto à seleção portuguesa, de quem se esperam performances que sejam de rotura, exercícios de criatividade, emotividade e explosão artística, foi incapaz de mostrar um único dos atributos que a eleva a uma das melhores equipas do mundo. Quer isto dizero seguinte: sejam muitos ou poucos os culpados, com mais ou com menos golos falhados, com mais ou menos erros individuais, cedo se percebeu que o descalabro não seria muito menor do que aquele que acabou por se verificar (0-4), repetindo-se com os portugueses o filme de terror anteriormente vivido pelos espanhóis, frente à Holanda (1-5).

Salvaguardadas as devidas distâncias e os currículos dos vizinhos ibéricos, em ambos os casos o drama atingiu proporções inesperadas, por motivos muito semelhantes: não havendo energia emocial nem confiança artística, as seleções da Europa do sul não têm as armas que os nórdicos ostentam. Ou seja, quando não impõem a sua arte caiem na armadilha de se colocarem em posição de inferioridade – pelo menos de fragilidade – cedendo perante a frieza e a gestão do erro gerida com mestria por seleções como as germâmica e holandesa.

Os primeiros embates deste Mundial demonstraram que as equipas que se encontram física, tática e psicologicamente melhor preparadas apresentam-se muitos furos acima daquelas de quem se esperava mais magia, com base na convicção simplista de que as suas principais estrelas estariam sempre em forma e inspiradas. Nem sequer o Brasil e a Argentina foram ainda capazes de ultrapassar a fasquia da banalidade, apesar das vitórias que conquistaram perante competidores mais fracos.

A Itália está aparentemente melhor, mas o seu jogo parece mais nórdico do que latino, como que a reforçar a tese aqui em causa. De facto, o espetáculo merece melhores árbitros, mas não é por aí que se produz a magia. É sobretudo preciso que as equipas que jogam essa cartada assumam o seu tipo de jogo e o exibam de forma cabal. Contudo, há uma energia da criação, que passa pela capacidade individual mas também pela convicção coletiva, que não se tem feito sentir. E essa é a questão central. Não está a passsar em campo a corrente que leva as bancadas a acreditarem na força da arte e do engenho. Se nada mudar, equipas como a de Portugal não podem chegar longe.

Dizia um amigo com graça que, não sendo uma ciência exata, o futebol também não é a lógica da batata. E não é.  Para além da atitude, da convicção e da força emocional, Alemanha e Holanda deram outra lição que é preciso apreender: a ocupação de espaços. Ambas as seleções prescindiram dos avançados clássicos, aqueles que ficam especados no meio da área à espera que as bolas lá cheguem, antes optando por executantes rápidos e inteligentes, que sabem sorrateiramente aparecer onde a defesa adversária abre espaços. Por outro lado, esse esquema permite também povoar melhor o meio-campo. Quando a equipa não tem bola, esses avançados móveis recuam para garantir superioridade numérica no centro do terreno, face a equipas que lá deixam os seus três médios a baterem-se com forças desiguais. A flexibilidade tática é outro dos trunfos que está a marcar pontos no Brasil.

Torcer para que seleções como o Brasil, a Argentina, a Espanha ou Portugal possam recuperar o seu estilo de jogo e encontrar forma de o impor não é uma mera questão de preferência pelas cores de um ou de outro país. É importante que o façam, porque isso promoverá a competitividade e o espetáculo, mas também porque são equipas capazes de defender uma certa ideia de jogo que faz falta, mas que corre sérios riscos de deitar a toalha ao chão ainda numa fase muito prematura deste Mundial.

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