Sam Ho Fai surpreendeu; estava bem escondido no Tribunal de Última Instância – e ninguém o viu chegar. Diz quem o conhece que há muito se preparava para esta transição, que deixa para trás a oligarquia local. Depois de Edmund Ho, Chui Sai On, e Ho Iat Seng (apoiado pelos Ma), Pequim assume aquele que, uma vez preso Ho Chio Meng, afinal era o topo da pirâmide num grupo do Continente – que estudou em Portugal – e corporiza a alternativa legalista, 25 anos depois. Já não surpreende a formalização da candidatura com 383 assinaturas dos 400 membros do Colégio Eleitoral. Em menos de duas semanas de contactos, arrasa uma concorrência que, de facto, nunca existiu. O caminho que se segue não é tão óbvio – é uma trabalheira. Dez pistas para o Chefe do Executivo percorrer:
1 – Afirmação: merece um primeiro cheque em branco. Não se conhece o seu pensamento político, nem a capacidade negocial na Grande Baía e em Pequim. Tem a favor um ambiente de apoio à mudança; e pode bem ser o ar que se quer respirar. Mas tem o ónus de uma enorme – e exigente – expectativa. O seu nome está inscrito na História; resta saber se o consegue a letra dourada.
2 – Integração: a Grande Baía é central e incontornável. Macau nunca percebeu, e provavelmente rejeita, o investimento que preferia ver cá concentrado. Mas o novo ciclo não lhe pode fugir. Resta saber quem Sam Hou Fai leva nesse barco; como convence empresários e cidadãos em geral a apostarem no desconhecido aqui ao lado.
3 – Plataforma: está escrito há décadas; tem um Fórum em Macau que junta a China a todos os países lusófonos; mas não tem resultados. A oligarquia local diz sim a uma instrução de Pequim que, de facto, mas nunca quis – ou não soube – cumprir; políticos e empresários lusófonos desembarcam com muito discurso e pouco negócios O tema é essencial para a diversificação económica, afirmação internacional, proposta de valor na Grande Baía, e a própria presença portuguesa.
4 – Reforma: mexer na Administração Pública é o grande mito que atravessa todos os Chefes do Executivo. Edmund Ho prometeu; Chui Sai On também; era prioridade de Ho Iat Seng… mas nunca foi sequer discutida; não há pistas nem guião. Sam Ho Fai enfrenta uma herança pesada, numa Administração habituada a seguir ordens, cegamente; ou a nada fazer quando não as tem. Um verdadeiro bicho de sete cabeças.
5 – Diversificação: reduzir para dez anos os contratos de jogo lança dúvidas sobre o que fará Pequim a seguir: andar com duas pernas, promovendo outros setores a par do jogo; ou desliga-lo para impor outro perfil ao Produto Interno Bruto. A chave do sucesso está na negociação política e no apoio aos empresários locais.
6 – Investimento: parado. Depois do COVID, quem apostou no imobiliário, do outro lado da fronteira; perdeu valor e ganhou dívidas. Por cá, muitos confessam que Macau não os atrai, a China está em crise, e a Lusofonia fica longe. O investimento estrangeiro enfrenta dois bloqueios centrais: as restrições à residência afastam empresários e massa crítica; e a Grande Baía assusta quem não arrisca sem rede política. É talvez o maior desafio de Sam Hou Fai.
7 – Networking: Ho Iat Seng fechou as portas do Palácio, recusou partilhar decisões e ouvir as redes locais de influência. Com isso provocou um cataclismo emocional, perdeu apoios e empurrou as elites para contactos diretos com o Poder Central. O povo quer afeto; o capital quer informação e rede política.
8 – Comunicação: Nada se sabe, nada se diz, nada se explica. Nunca o poder esteve tão alheado da opinião pública – e da publicada. Os gabinetes de comunicação do Governo foram simplesmente inconsequentes durante o mandato anterior. Com consequências graves para a imagem do Governo – e da própria RAEM. Sam Ho Fai tem de fazer melhor – pior é difícil.
9 – Nacional: líderes provinciais chineses nunca perceberam como era possível Macau ter tantos problemas, com tanto dinheiro a voar. Os políticos locais não granjeiam grande respeito nacional, e essa é uma das missões de Sam Ho Fai. Pequim terá dificuldades em a empurrar para aqui turistas e investimento, se esse respeito não for conquistado.
10 – Internacional: o bloqueio político e económico à China afeta Macau e Hong Kong, cuja mais valia é a ponte para ocidente. A dificuldade está em compatibilizar a prática patriótica – sem o qual não se é Chefe do Executivo – com uma face internacional desgastada.
*Diretor-Geral do PLATAFORMA