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50 anos de Guiné-Bissau

Margarita Correia,*Professora e investigadora,coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

Passaram 50 anos da declaração de independência da Guiné-Bissau, feita unilateralmente em 24 de setembro de 1973. Portugal apenas a reconheceu cerca de um ano depois, a 10 de setembro de 1974, já depois de eclodir a Revolução dos Cravos. Instabilidade política, pobreza e subdesenvolvimento têm caracterizado, para a Guiné-Bissau, este meio século que passou. Entre as causas para tal, quero destacar a questão linguística no ensino.

País de língua oficial portuguesa, estado-membro da CPLP, a Guiné-Bissau é um país multiétnico e multilinguístico, com 30 etnias com línguas próprias. O crioulo ou kriol é veicular para a maioria da população (não a totalidade), e, como tal, tem desempenhado o papel da língua nacional. O português não é língua materna de ninguém, mas, além de língua oficial, é a única teoricamente ensinada e usada como língua de ensino, i.e., veículo exclusivo de transmissão de conhecimentos. Os programas de português em vigor são semelhantes aos do início dos anos 1980, em Portugal, para o ensino de língua materna, mas na Guiné-Bissau o português nem chega a ser língua segunda: é estrangeira para quase todos. Escasseiam manuais escolares (produzidos maioritariamente em Portugal), material de apoio, instalações escolares condignas, eletricidade… Os atuais professores guineenses formaram-se neste pequeno “caos”, pelo que não é difícil adivinhar como é a sua proficiência linguística em português.

Contrariamente ao que se poderia pensar, existem descrições linguísticas do crioulo da Guiné-Bissau, dicionários bilingues e até foi editado, em 1987, pelo Ministério da Educação, Cultura e Desporto, o documento “Propostas de uniformização da escrita do crioulo”, uma tentativa de oficialização da ortografia do crioulo guineense. Luigi Scantamburlo, além dos muitos estudos da língua que desenvolveu, coordenou durante anos uma bem-sucedida experiência de ensino bilingue, no arquipélago dos Bijagós.

O n.º 2 do Art.º 16.º da Constituição da República da Guiné-Bissau (1996), determina que “2- O Estado considera a liquidação do analfabetismo como uma tarefa fundamental” e a primeira alínea do Art.º 49.º, estabelece que “1- Todo o cidadão tem o direito e o dever da educação.” O direito à educação na Guiné-Bissau tem como entrave maior a questão linguística – oficialmente ela é oferecida numa língua estrangeira, desconhecida, mas na verdade o ensino é feito numa língua, o crioulo, que o Estado parece ter falta de interesse (preguiça? vergonha?) em assumir, mas que parece ser a única a ter condições para garantir (pelo menos) a fase inicial da escolarização, abrindo as portas ao ensino da língua oficial.

A Guiné-Bissau parece estar a viver um almejado estado de graça, com o seu regresso à democracia, ditado pelas últimas eleições. Possui já alguma massa crítica na área da formação de professores, constituída por guineenses que fizeram ou fazem estudos pós-graduados no exterior e que entendem a pertinência da adoção do ensino bilingue (com alfabetização primeiro em crioulo e depois em português) e de que o português seja ensinado como língua estrangeira. Infelizmente, parece não serem muito ouvidos ou tomados em consideração nas decisões políticas. E, no entanto, a educação é a base de tudo.

50 anos já lá vão. É imperativo que os próximos 50 tragam a independência plena, a paz, o desenvolvimento e a cidadania para todos. São imprescindíveis o trabalho, a perseverança e a cooperação de todos. A hora é agora. O futuro já chegou.

*Professora e investigadora,coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

Artigo originalmente publicado em Diário de Notícias

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