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Por que a Revolução Industrial não ocorreu na China (II)

Jorge Costa Oliveira, Consultor financeiro e business developer

Vimos já como uma das principais razões para a Revolução Industrial não ter ocorrido na China radica no Confucionismo, com a sua inércia imobilista e a sua oposição ao pensamento ou ao comportamento independente, divergente ou disruptivo, desestimulando e combatendo a curiosidade subjacente à pesquisa e investigação científicas, numa sociedade com uma estratificação social em que os mercadores e comerciantes eram classes baixas.

Todavia, na Dinastia Song (960-1279), quando o Confucionismo era já dominante na sociedade e no Estado chinês, houve tremenda inovação e progresso tecnológico e científico na China. Na década de 1260, a China tinha atingido um nível de sofisticação tecnológica e de desenvolvimento económico que a Europa só conseguiria no final do século XVIII ou início do século XIX. Esse progresso foi possível, em boa medida, graças à rápida urbanização, à desregulamentação dos mercados (antes, só eram autorizados em locais especificados, sob controlo apertado), a políticas de incentivo ao comércio, incluindo ao comércio de importação e exportação, ao aumento da produção económica (em boa medida decorrente da expansão do cultivo do arroz), ao crescimento da população e à livre circulação em todo o império, encorajado por outra invenção chinesa, o motel. Mas, após a Dinastia Song, o processo dinâmico de transformação baseada em inovação estagnou. Porquê?
Por duas ordens de razões. Por um lado, porque nas dinastias seguintes prevaleceu a preocupação imperial com o controlo do país e o controlo social. P/ ex., na dinastia Ming, para melhor controlar o país, o imperador Hongwu impôs restrições relativas à circulação das pessoas, bem como à mobilidade social; as profissões passavam de pais para filhos e quem trocasse de profissão sujeitava-se a sanções severas. Isto resultou numa classe de mercadores mais fraca, e reduziu as pessoas qualificadas para o comércio e a indústria, o que inibiu a atividade mercantil no longo prazo. A proibição do comércio externo também limitou os homens de negócios e mercadores.

Outra importante razão radica no facto de no Império do Meio não ter havido um Galileu ou um Newton ou um Descartes, pessoas que anunciaram que o pensamento dominante anterior estava errado. E se é vero que o sistema confucionista esmigalhava qualquer veleidade de pensamento não-conformista, a verdade é que a Europa dos séculos XV-XVIII não era exatamente um primor de respeito pelo pensamento diferente, em especial quando este chocava com o tradicional ou com organizações religiosas. Mas, sendo arriscado afirmar que o saber escolástico, tradicional, estabelecido, estava errado, era possível fazê-lo na Europa. Como a Europa estava politicamente fragmentada, quando alguém afirmava algo divergente em relação ao saber estabelecido, se o governo ameaçava processá-lo ou persegui-lo, o pensador divergente fazia as malas e atravessava a fronteira. Na China imperial, não só isso não era possível como o académico ou o oficial – supondo que lhe teria sido permitido atingir esse grau – seria perseguido sem ter para onde fugir.

Em suma, o imobilismo confucionista, a natureza unitária do Império do Meio e as restrições impostas pelo poder político aos mercadores e à sociedade civil cercearam a possibilidade de a China ter chegado à Revolução Industrial antes da Europa. Há aqui lições a extrair para o presente.

*Consultor financeiro e business developer. Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias.

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