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Compromisso com o futuro

Paulo Rego*

Ho Iat Seng saiu-se bem em Portugal. Há que dizê-lo. Não por força de uma especial sedução, brilho no discurso, ou apetite estratégico. Estava era há muito combinado, por todas as partes envolvidas.

China incluída – que ia correr bem. Como correu. Essa predisposição mútua, aliás, é em si mesmo um facto relevante. Mas o Chefe do Executivo, tantas vezes acusado de comunicar pouco, e com pouca gente, teve em Portugal declarações políticas relevantes, quer para Portugal e os portugueses de Macau, quer sobre as opções políticas que o futuro anuncia.

Os temas quentes estiveram presentes: a Lei da Segurança, as liberdades, o êxodo…ouviram-se as vozes que acham que tudo vai correr mal em Macau. O debate esteve nos jornais – e Ho Iat Seng foi confrontado.

Reagiu razoavelmente bem à pressão, não sendo contestado nem enfrentado grandes polémicas. Nos dias seguintes, Lula da Silva foi muito mais polémico, por força das suas relações com a Rússia e a China. A verdade é que ao garantir que em Macau há liberdades – “… até podem discordar e criticar-me” – comprometeu-se com essa visão da autonomia, e da importância para as relações com Portugal. Explicou, aliás, que as coisas só são assim porque “Macau não é como a China”. No atual contexto internacional, em vez de se declarar nacionalista e dependente das decisões de Pequim – como tem feito em Macau – Ho Iat Seng optou por afirmar o valor acrescido da diferença. E fê-lo não só no contexto da prova da autonomia, mas também como fator de atração turística e motor da diversificação. Ho Iat Seng assume assim que lhe cabe zelar e responder por essa diferença entre a RAEM e a Mãe Pátria.

Esta viagem serviu também para Ho Iat Seng anunciar que está empenhado em que haja ligações aéreas entre Macau e Portugal, ainda que com escalas, e assume que a recuperação pós-Covid, e a própria diversificação económica, precisam de massa crítica, nomeadamente de Portugal. Perante isto, pense-se o que se pensar do futuro político de Macau, e da China; seja qual for o debate sobre liberdades e garantias – que importa e deve ser feito – não se pode é dizer que a estratégia de Ho Iat Seng é descurar a relação com Portugal, correr com os portugueses, ou virar costas ao mundo numa deriva nacionalista. O compromisso assumido em Portugal foi precisamente o contrário.

Que é aquilo que faz sentido; é o que Portugal quer ouvir – e os portugueses de Macau precisam ouvir. Portugal, como tinha de ser, também esteve bem. Recebeu o líder de Macau ao mais alto nível, tendo a cúpula política portuguesa sido muito clara na relação de proximidade incontornável. Parece claro na elite política portuguesa o consenso em torno da ideia de que as relações com Macau estão a salvo das tensões diplomáticas entre a China e a maioria dos aliados de Portugal – na Europa e na NATO. Sente-se mesmo florir a que quanto mais portas se fecham à China mais importante é para Portugal manter abertas as de Macau.

Deixo uma última nota que merece destaque nesta viagem. Ho Iat Seng disse uma coisa muita clara sobre o futuro: Macau não acaba se perder as receitas do jogo; mas se não tiver sucesso na diversificação económica, lá se vai o conforto fiscal. Ou seja, se o Estado não tiver receitas suficientes, “terá de cobrar mais impostos aos seus cidadãos”. Claro – e clarividente.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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