Numa altura em que a apresentação do Código de Saúde já faz parte do quotidiano, um membro da indústria informática salienta que apesar da aplicação exigir o registo do nome legal de cada indivíduo, os seus utilizadores desconhecem o seu funcionamento técnico. Estão “completamente no escuro”, refere Sou. Já Johnson Ian, vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau, acrescenta que medidas estabelecidas durante o período da pandemia não devem ser “normalizadas” e que o Governo necessita de definir prazos claros para o final das políticas anti-pandémicas
Embora a situação epidémica em Hong Kong tenha piorado desde o Festival da Primavera, não foi ainda detetado qualquer impacto em Macau, visto que a ligação entre as duas regiões especiais continua restrita e com isolamento obrigatório. Contudo, com os recentes casos importados, os Serviços de Saúde de Macau (SSM) acreditam que o risco de infeção na comunidade pode vir a aumentar.
As autoridades apelam à população para completar a vacinação o mais cedo possível, mesmo que Macau esteja atualmente a seguir as medidas sanitárias do Interior da China, bem como a requerer o uso de máscara em vários locais, a implementar o Código de Saúde e de Local e a requisitar um teste de ácido nucleico negativo à saída da cidade. Estas medidas são já precauções diárias.
Leia mais sobre o assunto: Macau apela à vacinação da população para proteger crianças
Até 4 de fevereiro, a aplicação móvel do Código de Saúde foi descarregada por 605 mil pessoas, com mais de um milhão de cidadãos a submeter relatórios diários através da mesma, segundo os SSM. As autoridades de saúde sublinharam que os números “provam que a maioria das pessoas de Macau está já a utilizar a aplicação para registar as suas viagens e código de saúde”.
Mas com a situação da pandemia em Macau a ser estável, a comunidade começa a ficar “farta”. Chan afirma que só quando entra em espaços de serviços públicos, bancos ou alguns centros comerciais é que é relembrada pelos seguranças de que precisa do Código de Local. Porém, à entrada de outros estabelecimentos, como lojas ou restaurantes, nem sempre existem funcionários para tal.
“Estou mais habituada a mostrar o Código de Saúde, e às vezes esqueço-me de registar o Código de Local. Talvez não esteja ciente da sua necessidade, mas apesar de não haver casos positivos confirmados em Macau, a população pode continuar a seguir estas medidas para ajudar o Governo a combater a pandemia”, observou.
Existem duas principais abordagens na criação de aplicações móveis de rastreio à Covid-19: a primeira inclui o uso do sistema de Bluetooth para calcular a distância entre os utilizadores e informá- los de um possível contacto com infetados, tal como a aplicação digital de distanciamento social em Taiwan. A segunda inclui o registo de códigos de local de vários estabelecimentos através da câmera fotográfica do telemóvel para documentar o itinerário de cada cidadão, como o Código de Saúde.
Em declarações ao PLATAFORMA, Sou, um informático, afirma que ambas as tecnologias servem para rastrear possíveis contactos com casos infetados e controlar a propagação do vírus. O mesmo explica que a aplicação digital de Taiwan usa o Bluetooth para calcular esta distância através de inteligência artificial, sem a necessidade de registar informação pessoal e sem operação manual pelo utilizador.
Leia também: Covid-19: Risco de infeção em Macau é baixo
“Não há necessidade de registo ou de inserir informações pessoais do utilizador, ou seja, o uso da ‘app’ de Distanciamento Social de Taiwan não tem praticamente impacto sobre a privacidade”, revelou. Já com o Código de Saúde de Macau, o utilizador é que regista localmente vários estabelecimentos para criar o seu itinerário e gravá-lo no telemóvel, incluindo a data, hora e Código de Local.
Os utilizadores registam o código à entrada dos estabelecimentos, não existindo uma opção para adicionar a saída. Isto pode não ser uma forma rigorosa de diagnosticar possíveis contactos com casos positivos, defende Sou.
“Por exemplo, caso um cidadão entre num restaurante às 14:00, e um caso positivo entre depois às 15:00, é possível que o primeiro cidadão tenha saído do espaço antes ou depois dessa hora, sendo que no primeiro caso não existe possibilidade de contacto com o infetado”, especificou. Qual é a tecnologia mais adequada para Macau? Sou acredita que não é uma questão fácil de responder prontamente.

O informático explica que a escolha de tecnologia depende ainda da disponibilidade local. Taiwan utilizou os seus recursos de inteligência artificial, enquanto o Código de Saúde local apresenta problemas constantes. Contudo, o público não tem qualquer conhecimento sobre estas bases técnivários idosos a abandonarem locais de serviços públicos por não saberem como registar o Código de Local. Johnson Ian afirma que, segundo a lei, o Governo pode utilizar a sua autoridade para aplicar estas restrições sob a população.
Todavia, a Lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis reitera que “nenhuma pessoa pode ser discriminada na sua escolaridade, emprego, escolha de domicílio, aquisição de serviços, entre outros, em razão de ter sido infectada, suspeita de ter contraído ou em risco de contrair doença transmissível”. Ou seja, caso alguém seja impossibilitado de ter acesso a qualquer serviço público por não registar o Código de Local, o Executivo deve encontrar uma solução e uma forma de conseguir equilibrar a prevenção epidémica e a oferta de serviços públicos.
Sou, perito em cibersegurança, refere também que o uso do código de Macau implica a gravação de dados como o nome, número de telemóvel e morada. Por essa razão, as autoridades “devem implementar ‘medidas de correção’ para maximizar a proteção da informação pessoal dos utilizadores”. “Garantir que os dados armazenados no telemóvel estão encriptados requer uma avaliação regular da informação no sistema do Código de Saúde, para além da obrigação de verificar o código informático da aplicação antes de esta estar disponível”, salienta.
Vários outros vírus mortais que causaram pandemias ao longo da história não foram erradicados, como por exemplo a gripe, que surge todos os anos. Com a possibilidade de surtos locais e esporádicos, caso este vírus não desapareça, devemos estar preocupados com o facto de medidas temporárias e estabelecidas sob estado de emergência se tornarem numa forma normalizada de vigilância? Johnson Ian afirma que algumas das medidas mais rígidas de controlo de fronteiras e códigos de saúde relacionadas com a pandemia são políticas temporárias, estabelecidas segundo circunstâncias excecionais.
Leia mais sobre o assunto: Governo de Macau avalia medidas de abertura das fronteiras
“Todos concordamos que não deve ser algo normalizado”, sendo que o principal problema é a duração destas medidas temporárias. Para o mesmo responsável, o Governo deve criar um plano claro para a comunidade, definir o estado atual da pandemia e especificar quais os requisitos para que certas medidas sejam levantadas. “Caso se atinja uma certa taxa de vacinação, ou caso a mortalidade desça até uma determinada percentagem, isto é, quando a Covid-19 não for mais um risco, aí poderão ser dissolvidas todas as medidas de prevenção”, clarifica.
O vice-presidente da Associação da Sinergia também critica o facto de o público não ter conhecimento total sobre a linha de pensamento das autoridades, algo longe do ideal, considerando que é “difícil aceitar medidas de prevenção a longo prazo quando a nossa privacidade e direitos individuais estão a ser violados”.
Chan, uma residente de Macau, não receia que estas medidas de prevenção sejam utilizadas para monitorizar a população, referindo que se o Executivo “quisesse controlar, com a quantidade de ‘olhos’ que existem na rua, podia fazê-lo de outra forma sem precisar do Código de Saúde”.
Leia também: Macau promete mais videovigilância e reconhecimento facial para combater crime
A mesma acredita que quando a pandemia se estabilizar no Interior da China e não existirem mais zonas de médio e alto risco, Macau irá também levantar as suas medidas.
Segundo Johnson Ian, a comunidade de Macau, há muito que está consciente da importância da proteção de dados pessoais, é menos sensível em relação à sua privacidade. Muitos pensam “não violo a lei, não faço nada de mal, não tenho nada a temer [com a fuga de dados pessoais]”. Porém, esclarece que os dados não dizem apenas respeito à violação da lei, mas sim ao seu impacto quando os comportamentos individuais se tornam em informação pública.
“Caso um professor goste de ler banda desenhada violenta, apesar de não ser algo ilegal, nem significar necessariamente que este irá cometer qualquer crime, a reputação do professor na comunidade será afetada”, exemplifica.
Este artigo está disponível em: 繁體中文