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Unidos na divisão

João MeloJoão Melo*

Num ensaio escrito em Março de 2019 deduzi que depois do Brexit, Theresa May primeira-ministra da Grã Bretanha, uma cinzenta gestora de situação, seria substituída por um desajuizado qualquer, e o candidato certo parecia Boris Johnson

Também escrevi que unicamente após a vigência desse sandeu se tornaria mais claro o objectivo do Brexit, algo que escapava à minha compreensão. Desde há muito se verificara a tendência de globalização, e o facto de um delirante como Trump derrotar Hillary Clinton, uma das maiores globalistas, fez tocaram-me campainhas. Há múltiplas maneiras de condicionar o voto, logo a vitória de um anti-globalista sugeria novas nuances na agenda dos senhores do mundo. E quem são eles? Apenas conheço os seus representantes em instituições mundiais, países e empresas. É sobretudo nos dois primeiros que se assiste, na aparência, a uma inacreditável ocupação de cargos por mentecaptos.

Pode-se argumentar que os eleitos reflectem aquilo em que nós próprios nos tornámos, mentecaptos, mas em princípio a regra não se deveria aplicar aos nomeados; empregando-se a todos indicia haver um propósito. E qual é o objectivo de sermos dirigidos por mentecaptos nas democracias ocidentais? Só posso especular. Pode ser do interesse da Rússia e China, de figuras na sombra dentro do ocidente, de tudo junto uma vez que não há fronteiras para o dinheiro e o digital. Em 2019 encontrava-me longe de cogitar uma pandemia mas pressentia que os próximos anos seriam muito difíceis, um ou vários acontecimentos testariam estas lideranças, legando-nos a confusão, uma situação conveniente para alguns. Acho muito bem que se investiguem os crimes da Igreja, a seriedade dos políticos, forças de segurança, juízes, e por aí fora. Na prática a comunicação social, atenta às tendências do público (tendências já desenvolvidas pela dinâmica colectiva e nascidas não se sabe onde), amplifica os problemas em proveito próprio, reforça-os, e os julgamentos executam-se na cabeça de cada um independentemente do veredicto dos tribunais. Resultado? Perdemos a confiança na autoridade, tudo é desacreditado. Se o mundo anda em cacos e não confiamos nos garantes da ordem, abre-se o caminho para o caos. Neste momento tenho um filho vacinado e infectado em casa, dividido entre o puro bom senso de se recolher, e a directiva da DGS que o manda sair para efectuar um teste PCR, arriscando infectar quem se cruzar pelo caminho. Que via seguir, a lógica sanitária, a autoridade dos pais ou a das instituições? É claro que seguirá a última porque esta corrompe oferecendo um prémio extra às vacinas, o certificado de recuperação que permite circular nos próximos tempos sem o mínimo constrangimento. Chegámos ao ponto de ceder a tudo o que nos exijam para recuperar o mais baixo nível de normalidade que já detivemos.

“Dividir para reinar” é uma secular estratégia imperial que visa impedir que grupos menores se juntem. A pandemia deixou-nos em estado de guerra, mais pobres, com medo da própria sombra e completamente controlados, enquanto os mais ricos do mundo florescem, inclusivamente pagámos um resgate à indústria farmacêutica como já pagáramos idêntico resgate à banca há uns 12 anos. Que ciclo curioso… Somente no século XXI a Rússia envolveu-se em seis conflitos no exterior, os interiores abafa-os. Os Estados Unidos além da cisão interna entre norte e sul, ricos e pobres, gangues de rua e questões raciais, envolveram-se externamente em onze conflitos. Na Ucrânia, no sul da China, no Médio Oriente, em África vivemos na iminência de estalarem conflitos a qualquer momento e em algumas destas regiões podem ter consequências devastadoras. Se não creem num propósito pelo menos considerem isto: será normal em dois pilares mundiais da democracia, os Estados Unidos e a Grã Bretanha elegerem-se cada vez piores dirigentes? Será possível ter de se optar entre Trump e Hillary, e depois entre Trump e o inenarrável Biden? Talvez o conflito e o caos sejam realmente interessantes para os senhores da guerra, barões da droga, magnatas do petróleo, metais e pedras preciosas, donos disto tudo do digital e da finança. Assim percebe-se o fito: pôr-nos globalmente unidos na divisão.

Nada nasce do nada, os desfechos resultam de práticas anteriores, por isso hoje existe uma acentuada fractura no mundo, a variedade de pensamentos e culturas agruparam-se em duas formas antagónicas de estar, pró ou contra qualquer coisa; dividir para reinar… Na política ocidental falamos em esquerda e direita, conservadores e trabalhistas, republicanos e democratas, mas as ideias desapareceram dos debates, sem espaço, tempo ou disponibilidade mental para mais, apenas se discutem formas, não conteúdos. As medidas que vemos aplicarem-se são avulsas, não contemplam reformas estruturais, não atacam o cerne dos problemas (nem os conseguimos discernir), aplicam-se às urgentes necessidades de cada momento; tapamos buracos que servem índices de popularidade das figuras à frente dos governos. Nos países dirigidos por quem não se chateia com sufrágios populares as reformas são ao seu gosto. Haver mudanças estruturais nas democracias até há, mas operam-se pela calada e só damos por elas quando os senhores do mundo decidem apresentá-las, geralmente inevitáveis; até aí andámos ocupados a responder a estímulos, desviando-nos o foco para uma de duas vias a que no ocidente chamamos “liberdade de escolha”. E como muitas vezes a escolha apresenta-se pervertida, uma hipótese dificulta a vida, a outra fornece vantagens, calculem por qual optamos. Não só seguimos o caminho que pretendem que sigamos como ainda estamos convencidos de ter sido uma resolução pessoal e consciente. Evidentemente que quando vier a factura de consequências negativas, a responsabilidade ser-nos-á assacada, fomos nós que “escolhemos”…

Não estou a afirmar que entre os dirigentes existam intenções maléficas, que se reunam num secreto conluio para prejudicar os seus povos; seguindo o princípio da economia conhecido como “navalha de Occam” diria que o mais simples será aventar a existência de uma subordinação a interesses, e na medida em que se faz carreira a melhor ou pior defendê-los, assim as portas se abrem ou fecham. Ter o QI de um pastor alemão basta, quem anda nisto não é parvo e percebe o que fazer para retirar benefícios pessoais, é desnecessário ser explicitamente ordenado. Nem todos são mentecaptos porém acabam por o aparentar pela razão de serem fantoches de planos que às vezes nem eles próprios entendem, limitam-se a cumpri-los, por isso é comum desdizerem-se, soarem ilógicos. Todos devem algo a alguém e mais tarde ou mais cedo os favores pagam-se; logo que desagradem a esses interesses ou passem do prazo é fácil fazê-los cair, a bem ou a mal. Por bons serviços prestados há compensações, os políticos acedem a cargos internacionais de prestígio, aos gestores concedem-se indemnizações, como foi no caso da crise financeira de 2008. Que nome dariam às milionárias indemnizações pagas aos principais responsáveis pela derrocada do sistema financeiro, castigo ou recompensa?

Nem formulamos este elementar juízo uma vez que laboramos sobre contínuas dificuldades, a melhor forma de nos distrair a atenção do quadro completo. Imaginem um jogo de xadrez em que o adversário tem planeada a sequência das jogadas incluindo as que provavelmente executaremos, o que é facílimo de prever, já que fornecemos ao minuto os nossos dados, rotinas, pensamentos, até o corpo! Carecemos de estratégia global porque estamos abstraídos com o ruído à volta do jogo, canalizamos a atenção disponível para nos defendermos do xeque-mate.

*Músico e embaixador do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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