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O dia em que se desafia Guterres a fazer as pazes com a natureza

Bebiana CunhaBebiana Cunha*

Dia 18 de junho, dia em que António Guterres toma posse para um segundo mandato enquanto Secretário Geral da ONU, um conjunto de organizações nacionais e internacionais dirigiu-lhe uma carta aberta com um repto – reconhecer o impacto que a alimentação desempenha no combate às alterações climáticas e adotar uma alimentação de base vegetal.

Segundo o mais recente relatório da ONU (2021), “Fazer as Pazes com a Natureza” e transitar para uma alimentação de origem vegetal pode reduzir as emissões diretas globais de gases com efeito de estufa até 20%. Isto não contabilizando as emissões indiretas, o que revela o verdadeiro impacto da produção pecuária. Não podemos continuar a colocar o ónus única e exclusivamente em setores como o dos transportes. Falar de alterações climáticas tem de passar por mudar a forma como politicamente se apoia o que é insustentável para o planeta, como é o caso da agricultura intensiva e da pecuária.

Os resultados de um projeto de investigação publicado no Our World in Data não podem ser mais esclarecedores – os laticínios, a carne e os ovos são um fator direto e relevante nas emissões de Gases com Efeito Estufa (GEE). 

A produção de um hambúrguer requer quase 2.500 litros de água. Por outro lado, estima-se que um hambúrguer 100% vegetal use 99% menos água, causando menos emissões de gases estufa, utilizando menos terra e necessitando de menos energia do que os hambúrgueres feitos a partir de base animal.

Sobre a escassez hídrica, a seca e a desertificação não podemos esquecer também o impacto da agricultura intensiva. Ainda ontem a ONU alertou para o facto de que a escassez hídrica será a próxima pandemia. Recentemente, devido à escassez de água, a Associação de Beneficiários do Mira cortou a água aos pequenos agricultores que há muito se abasteciam no canal de rega ligado à albufeira da Barragem de Santa Clara, mas manteve-a para os padrões de consumo insustentáveis da agricultura intensiva, para o “mar de estufas” que tem crescido desregradamente no litoral alentejano, neste parque natural. O programa de recuperação e resiliência deixa de fora o investimento que deveria estar a ser planeado e posteriormente concretizado através de políticas de incentivo à criação de indústrias alimentares mais sustentáveis, incentivando de igual forma a reconversão de outras que são altamente prejudiciais, como é o caso da pecuária. Sendo que neste último caso o que se assiste é a um contínuo premiar ora por financiamento direto, ora por isenções de taxas e taxinhas, as externalidades negativas associadas a estas atividades. 

É preciso discutir políticas para a alteração de hábitos de consumo, assumindo que é extremamente necessário reduzir substancialmente o consumo de carne, que são necessárias políticas para apoiar estas empresas na sua reconversão para uma produção ambientalmente sustentável, com metas ambiciosas, e que é preciso apostar numa agricultura regenerativa dos solos. 

O desenvolvimento da agricultura deve centrar-se em projetos que promovam a soberania alimentar através da defesa e desenvolvimento da produção local, de proximidade, do tipo biológico ou similares. A aposta neste tipo de agricultura defende, quanto a nós, não apenas os pequenos produtores e o ambiente como também a estratégia de adaptação às alterações climáticas, tendo em conta a progressiva escassez de água com que o país se vai defrontar. Sobre isto o Ministro do Ambiente nada diz e aceita esta realidade com normalidade, parecendo assumir-se como o ministro da agricultura intensiva. Fica só a faltar assumir-se como o ministro da atividade suinícola. Logo saberemos, uma vez que requeremos a sua presença para debater a Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários e Agroindustriais (ENEAPAI). 

*Deputada do PAN

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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