O Efeito Borboleta, ou “dependência sensível das condições iniciais” dentro da Teoria do Caos, refere-se às consequências, por norma grandes ou graves, que pequenas alterações no início de algo poderão ter no resultado final. Não sendo propriamente uma borboleta, a apreensão de um telemóvel e um bloco de notas na casa da mulher de Fabrício Queiroz, no Rio de Janeiro, em dezembro de 2019, acabou por se revelar exactamente isso, uma bater de asas, e provocar um tufão em Brasília.
Flávio Bolsonaro, senador e filho do Presidente do país, Jair Bolsonaro, um dia depois da dita operação de apreensão e busca em casa de Márcia, a mulher de Queiroz, e porque as buscas foram no âmbito de uma investigação ao próprio Flávio, gravou uma mensagem nas suas redes sociais na qual criticava o juiz que autorizou a operação classificando a apreensão do telemóvel como “inócua”. Não podia estar mais enganado…
O que vai ler a seguir poderá, em alguns momentos, assemelhar-se bastante a um guião de telenovela, parecer que quer imitar o filme Tropa de Elite ou rivalizar com uma série espectacular qualquer da Netflix. Mas não, é mesmo um resumo muito resumido das páginas da decisão do juiz Flávio Itabaina Nicolau que determinou a prisão de Fabrício Queiroz.
Queiroz foi durante 11 anos assessor, motorista e segurança de Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Durante um ano e meio Fabrício Queiroz foi investigado por alegada participação num esquema de “rachadinha” na ALERJ liderado por Flávio. Basicamente, a rachadinha consiste num esquema em que vários funcionários, muitos deles fantasma, que nunca exerceram verdadeiramente a função, repassavam parte do salário para o assessor, que por sua vez transferia, em dinheiro, os valores para o deputado. Transferia não no sentido literal, por vezes essa transferência consubstanciava-se no pagamento das mensalidades da escola das filhas de Flavio, em dinheiro. Isso, por exemplo, aconteceu 53 vezes.
E talvez a parte menos inócua mesmo seja a de que eles, telemóvel e bloco, levam o inquérito do MP do Rio a apontar que o filho do Presidente do Brasil
Ao todo, lê-se no documento amplamente divulgado pela comunicação social brasileira, foram desviados quase 3 milhões de reais, mais de meio milhão de euros.
Fabrício Queiroz foi agora detido porque, diz o Ministério Público (MP), estava a interferir nas investigações ao ameaçar testemunhas e adulterar provas. O antigo assessor de Flávio Bolsonaro estava em Atibaia, no interior de São Paulo, na casa de Frederick Wassef. Wassef é agora (desde há dois dias) ex-advogado de Flávio Bolsonaro e de Jair Bolsonaro.
Voltando à rachadinha.
A mãe de Adriano da Nóbrega e a namorada fizeram, diz o MP, parte desse esquema, “trabalharam” no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ora, e quem é Adriano da Nóbrega? Ex-capitão do BOPE, acusado pelo MP do Rio de chefiar uma milícia e um grupo de extermínio e cujo nome foi já várias vezes associado ao caso do assassinato de Marielle Franco, vereadora do PSOL na ALERJ. Adriano da Nóbrega foi homenageado por Flavio Bolsonaro.
Aquele telemóvel e aquele bloco de notas foram tudo menos inócuos. Foram a base de tudo o que agora vem a público como argumento do Ministério Público para investigar advogados, políticos, polícias e milicianos, todos envolvidos em esquemas que só podem fazer o argumentista de Tropa de Elite pensar que mostrou uma muito pequena parte do drama que vive o tão maravilhoso Rio de Janeiro. E talvez a parte menos inócua mesmo seja a de que eles, telemóvel e bloco, levam o inquérito do MP do Rio a apontar que o filho do Presidente do Brasil, o homem que está presente em inúmeros atos oficias da presidência da República do Brasil, hoje senador no Senado Federal brasileiro, é o “líder” de uma suposta organização criminosa.
Flávio Bolsonaro nega todas as acusações, dizendo-se “alvo de um grupo político que tem patrocinado uma verdadeira campanha de difamação.”
Em Brasília, na sequência do autêntico tufão que se revelou a prisão de Fabrício Queiroz, que para além de ter trabalhado para o filho aparece em inúmeras fotos com o Presidente, Jair Bolsonaro reuniu com alguns ministros para discutir o assunto, por considerar que se está a montar um “cerco jurídico” para o retirar do cargo.
O Brasil estava nesse dia, quinta-feira 18 de junho, muito perto do miserável número de 50 mil mortos por causa do novo coronavírus, e um milhão de infectados. Entretanto essas marcas foram ultrapassadas.
Para filme, série ou novela o guião seria bom. A questão, a tragédia, é que é tudo demasiado real e preocupante.
Não há por aí Capitão Nascimento que ajude a um final feliz?…
*Jornalista