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(À) Deriva

Parece ser um padrão tirado a papel químico do manual de Donald Trump. O recurso privilegiado à comunicação não mediada – através das redes sociais – e os ataques ao jornalismo e aos jornalistas têm sido uma constante ao longo deste primeiro ano de presidência do chefe de Estado brasileiro, Jair Bolsonaro. Segundo um estudo, ao longo de 2019, Bolsonaro proferiu declarações que procuraram minar a credibilidade da imprensa a uma média de uma em cada três dias. O tom vai do populismo primário ao indecoroso. Num ambiente quase belicoso de polarização e imediatismo, certamente que os jornalistas não estarão isentos de responsabilidade. Há toda uma reflexão a fazer e um novo rumo a tomar. Todavia, cabe aos cidadãos, em última análise, fazer a avaliação da credibilidade dos media. Na verdade, atacar o jornalismo é desferir um golpe na democracia e no estado de direito. A etiqueta de “fake news media” tão usada por Trump, Bolsonaro, Duterte e cada vez mais por governos um pouco por todo o mundo, esconde, muitas vezes, o simples facto do incómodo causado pelo trabalho dos jornalistas. A liberdade de imprensa é sólida se houver um ambiente social, económico e institucional propício, que passa pela proteção por parte das autoridades e não por líderes governamentais que incentivam os cidadãos a repudiar os jornalistas. 

Paralelamente, vai disseminando-se à escala global um ambiente regulatório cada vez mais restritivo que coloca a liberdade de expressão – e consequentemente a liberdade de imprensa –sob pressão. Novas leis de criminalização de rumores ou “notícias falsas”, como a recente legislação que entrou em vigor em Singapura, comprimem o espaço da imprensa livre, sobretudo em contextos de culturas jurídicas  que se afastam da lógica de rule of law e se aproximam de rule by law. 

Felizmente que não temos em Macau um Trump, Bolsonaro ou Duterte, não sendo conhecidos ataques diretos aos jornalistas por parte das autoridades ou de outros grupos. Não se pode, todavia, ignorar o ambiente patente na esfera pública e os riscos de erosão de certos direitos fundamentais. A conjugação recente de fatores exógenos (Hong Kong e China continental), uma onda legislativa de cariz securitário, situações arbitrárias de ‘exceção’ como as que ocorreram no mês passado, e discursos políticos e decisões judiciais que sugerem novas “linhas vermelhas” faz com que vivamos numa encruzilhada para a qual a sociedade civil deve estar consciencializada .  

Os direitos e os deveres harmonizam-se, exercem-se e defendem-se no dia-a-dia. Não podemos resvalar para uma deriva de pendor autoritário. 

José Carlos Matias 10.01.2020

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