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O pior nem é a Apple tornar os iPhones mais lentos

O caso está a ser apelidado, na imprensa anglo-saxónica, de Batterygate. Em causa está o facto de a Apple ter finalmente admitido o que muitos dos clientes há muito suspeitavam: os seus telefones ficam mais lentos com o passar do tempo. Só que, diz a empresa, este não é um defeito dos iPhones, é uma característica, programada em software. Afirmam que o decréscimo de desempenho prende-se com o envelhecimento (inevitável) das baterias e que o sistema abranda automaticamente para compensar a menor capacidade destes componentes. E assim, acrescentam, até ampliam a sua vida útil.

Mesmo que tudo isto seja exatamente assim – o que é duvidoso, pois tem como resultado tornar quase inviáveis os aparelhos a cada duas gerações, criando um ciclo de vida conveniente para as vendas; além de que o mesmo não acontece nos aparelhos da concorrência -, e apesar de a marca ter pedido desculpa, a questão não se resume à simples existência do referido software.

O pior mesmo é isto andar a ser feito sem informar os clientes. Dito de outra forma: a Apple anda há vários anos a mentir (no mínimo, por omissão) a quem gasta dinheiro nos seus produtos.

A cultura de secretismo é uma característica bem conhecida da empresa de Cupertino, pelo que não é completamente inesperado a marca da maçã programar processos secretos no sistema, em especial no iOS.

O sistema operativo que equipa os iPhones e os iPads é o mais “fechado” possível – sempre com o argumento da segurança e de não prejudicar a performance do aparelho – resultando num software pouco personalizável, em que não se pode sequer, por exemplo, mudar o navegador predefinido para ir à internet.

(A coisa chega ao ridículo de o iOS só ter adquirido um file manager nativo na versão 11…)

Este é o resultado de um tipo de abordagem à tecnologia que se pode sintetizar numa frase: o utilizador não precisa saber o que a máquina está a fazer, desde que funcione. Uma filosofia que, diga-se, vem diretamente da mentalidade de Steve Jobs.

O Batterygate, no entanto, ultrapassa a linha do que é admissível relativamente ao controlo que as tecnológicas mantêm permanentemente sobre os seus produtos – e, consequentemente, os clientes.

O mundo dos aparelhos informáticos (que, com a internet das coisas, pode ser atualmente tudo, até as lâmpadas de iluminação, por exemplo) é pela sua natureza algo em constante mutação. Como tal, atualizações de segurança “obrigatórias” ou a implementação de novos serviços nos equipamentos fazem parte do quotidiano. Para que tal aconteça, a marca do produto ou o produtor do software tem de ter acesso remoto às máquinas e, no limite, até as pode tentar simplesmente desligar (ou algo equivalente).

Estas são as regras do jogo. O problema surge quando se abusa delas.

O anúncio da Apple, na quinta-feira (juntamente com o seu pedido de desculpas), de que os iPhones iriam passar a ter software para informar o utilizador de como o estado da bateria está a influenciar o desempenho do aparelho é uma boa notícia. Mas também é, simplesmente, aquilo que a empresa deveria ter feito desde o primeiro minuto.

O facto de a Apple ter optado pela atitude inversa, mantendo o utilizador “às escuras” quanto ao que está a acontecer num bem que é sua propriedade, revela uma arrogância difícil de perdoar. E que lhe poderá sair bem cara, tendo em conta os vários processos em tribunal que já foram entretanto intentados. Esperemos que sim. 

Ricardo Simões Ferreira  

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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